quinta-feira, 21 de julho de 2011

XINGU VIVO PARA SEMPRE


QUINTA-FEIRA, 21 DE JULHO DE 2011

Norte Energia compra área de desmatamento ilegal e incentiva especulação em Altamira



A Norte Energia S.A (Nesa), empresa dona da concessão da hidrelétrica de Belo Monte, adquiriu uma área que foi desmatada de forma ilegal recentemente na cidade de Altamira, para instalar um centro de treinamento de mão de obra. Além disso, a empresa pagou pelo terreno de 27 mil metros quadrados cerca de 300% acima do valor que está sendo praticado pelo mercado local. Para piorar, o centro de treinamento vai ficar longe do centro de Altamira e congestionar ainda mais o trânsito na saída da cidade.
A reportagem de Ecoamazônia obteve, com exclusividade, documentos que comprovam a transação. A área está localizada na estrada que dá acesso ao 51º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS), distante mais de cinco quilômetros do centro de Altamira, próximo a um conjunto residencial. O terreno foi desmatado no ano passado pelos antigos donos sem autorização do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) ou dos órgãos ambientais do Estado e do Município, e de acordo com a legislação, não poderia ser usado para edificações.
A cidade de Altamira possui atualmente dezenas de grandes áreas urbanas que não estão sendo usadas e que foram desmatadas há décadas, portanto, não haveria necessidade da Norte Energia adquirir um terreno de desmatamento recente. Isso poderá incentivar o desmatamento de outras áreas, como o que vem acontecendo bem próximo do terreno da Nesa, onde um grupo de moradores invadiu uma área e está colocando mata nativa no chão, incentivados pela valorização dos terrenos próximos ao local onde a Nesa constrói o seu centro de treinamento.
Uma justificativa plausível para adquirir um terreno tão longe e desmatado sem autorização seria um preço baixo. Mas é ai que entra um ingrediente ainda mais inexplicável desta história. A Nesa pagou pelo terreno R$ 2,7 milhões, ou R$ 100,00 o metro quadrado. A reportagem apurou que áreas bem mais próximas do centro da cidade estão sendo oferecidas por até R$ 20,00 o metro quadrado. A empresa pagou um valor mais de 300% acima do mercado, e por um terreno bem mais distante.
A aquisição da Nesa, como era de se esperar, disparou ainda mais o valor dos imóveis na cidade, que já vinham sofrendo uma explosão absurda nos preços. Após a informação sobre a compra milionária da Norte Energia se espalhar pela cidade, o valor pego pelo metro quadrado está servindo de referência para os donos de imóveis. Agora, imóveis que estavam à venda por valores que oscilavam entre R$ 8,00 a R$ 20,00 o metro quadrado já estão sendo oferecidos pelos mesmos R$ 100,00 pagos pela Nesa.
As perguntas que ficam sobre esta nebulosa negociação feita pela empresa dona de Belo Monte são muitas. Porque construir um centro de treinamento tão longe da população que seria beneficiada? Porque adquirir uma área de desmatamento ilegal? Porque pagar tão caro por um terreno, se existiam outros mais viáveis e bem mais baratos? Quem autorizou a compra? Houve pressão para a Nesa fechar o negócio? De quem? Em um negócio tão fora de propósito, é evidente que alguém está ganhando muito por fora. Quem?
MP - O mais impressionante nesta história é que o Ministério Público, tanto o federal quanto o estadual, estão omissos. O MPF está tão preocupado em impedir a construção de Belo Monte que não percebe que a usina será construída e que o mais importante seria o órgão atuar para impedir desvarios como este. O MPE, por sua vez, está envolvido em conflitos internos e parece ter se esquecido que sua função é proteger a sociedade.
Fonte: Redacão Ecoamazônia

terça-feira, 19 de julho de 2011

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TERÇA-FEIRA, 19 DE JULHO DE 2011

A cruel honestidade do Presidente do IBAMA


Artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
Finalmente alguém no poder é honesto em suas declarações. Quando Curt Trennepohl, presidente do IBAMA, disse a jornalista australiana que seu trabalho “não é cuidar do meio ambiente, mas minimizar os impactos” e que o Brasil vai fazer “com os índios o que os australianos fizeram com os aborígenes” (F.S.P 15/07/11), foi de uma honestidade rara e cruel. A declaração é um horror, uma proclamação de genocídio.
Porém, é o que está diante de nossos olhos todos os dias. A tarefa do IBAMA é tentar pôr remendo novo em pano velho, isto é, amenizar os estragos feitos pelas grandes obras, seja de iniciativa particular ou oficial. A prevenção e a precaução não fazem parte do roteiro governamental.
A CPT, juntamente com o CIMI, sabe que anda muito só ultimamente nas suas lutas pelo campo. As populações mais vitimadas pelo modelo atual, e pelo governo atual, são exatamente os indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Os Movimentos da Via Campesina se defendem melhor, até por sua proximidade com o governo. Porém, na hora da luta concreta, as comunidades tradicionais estão enfrentando uma solidão cósmica.
Porém, a honestidade do Ministro não anula a dimensão cruel, anti-humana, que permeia a política desenvolvimentista atual. Antes, a prerrogativa do sacrifício humano pertencia às religiões. Os que têm descendência bíblica acabaram com essa crueldade quando o Deus bíblico não permitiu que Abraão sacrificasse Isaac. Ele não precisava do sacrifício humano, embora judeus e cristãos depois tenham sacrificado multidões ao longo dos séculos. Mas, Astecas, Incas e outras tradições religiosas sacrificaram pessoas enquanto seus impérios duraram.
Hoje a prerrogativa do sacrifício humano pertence ao capital. Ele decide quem deve morrer. E quem morre são indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e o meio ambiente.
Se quisermos manter um pingo de dignidade humana, devemos nos afastar não só da direita, mas também das esquerdas que aceitam o sacrifício humano em nome do desenvolvimento, da revolução, ou de qualquer outra causa onde a vida humana seja o combustível.
Na luta contra as mudanças no Código Florestal, Belo Monte, Transposição, enfim, contra o modelo predador imposto, podemos identificar perfeitamente quem é quem no Brasil de hoje.
Roberto Malvezzi (Gogó), articulista do EcoDebate, é membro da Equipe Terra, Água e Meio Ambiente do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano)

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19 julho, 2011

Belo Monte é pior do que estava previsto

A cada etapa na implantação do projeto de Belo Monte, vão se revelando a complexidade da obra e o tamanho de seu impacto negativo na região.
O balanço de malefícios e benefícios de Belo Monte só piora. O projeto marca em definitivo a falência do licenciamento pelo Ibama. Uma licença precária que certamente não considerou a complexidade do que estava licenciando, nem seus impactos ambientais.
A cada nova informação fica mais claro que o projeto é ruim. Foi mal planejado desde o início. O governo entregou à Amazônia uma “Caixa de Pandora”, cada vez que uma de suas portas se abre, dela saem uma nuvem de problemas e males imprevistos e insanáveis.
Matérias do Valor aqui e aqui mostraram ontem que não há condições logísticas para implantar o canteiro de obras com as máquinas pesadas necessárias. O rio não tem calado para esse transporte boa parte do ano. O porto existente não comporta máquinas tão pesadas. As estradas não estão preparadas para essa carga. Resultado: construirão um novo porto, provavelmente com extenso processo de dragagem (tem relatório de impacto ambiental, licenciamento?); o trecho da Transamazônica será pavimentado e novas estradas construídas (tem relatório de impacto ambiental, licenciamento?).
Além da ampliação da pegada ambiental dessas obras em si, elas se tornarão vetor de ocupação da região, provocando desmatamento e grandes desequilíbrios sociais, após o final das obras.
E os benefícios? Os econômicos, para a região, serão fugazes. As obras deixarão mais problemas que ganhos duráveis. Do ponto de vista de energia, apenas se consolida a hipótese de que Belo Monte jamais será capaz de gerar eletricidade suficiente para compensar os danos permanentes que causará. Há alternativas mais econômicas e eficientes, de muito mais fácil implantação e muito menor impacto, para gerar mais eletricidade por real investido.
Mas, diante da obstinação do governo em tocar essa obra custe o que custar, sem interveniência em tempo da Justiça, o Brasil está condenado a ver o pior projeto hidrelétrico desde Balbina ser tocado ao arrepio das regras. O impacto ambiental e social será desconsiderado do princípio ao fim. Ele nunca será compensado realmente, pelas condições – até agora não cumpridas – impostas pelo Ibama. São compensações quase insignificantes diante do tamanho das perdas. A questão indígena será desprezada.
Ficará como marco da desconsideração com as necessidades reais de desenvolvimento da Amazônia. Será a demonstração, para a história, da falta de visão da política energética. É mais um flagrante muito expressivo da falta de instrumentos na democracia brasileira que permitam contraposição eficaz à vontade autocrática do Executivo pela via política, do movimento social ou da Justiça

Depoimento: Raoni

Belo Monte: contrainformação à propaganda enganosa da Norte Energia

BELO MONTE - o anuncio de uma GUERRA

Pare Belo Monte!

BELO MONTE - MOVIMENTO BRASIL BELO - "O DESTINO DAS ÁGUAS"

segunda-feira, 18 de julho de 2011

XINGU VIVO PARA SEMPRE

Sem a Floresta Amazônica, nosso futuro dormirá para sempre no passado

“É verdade que, depois que homem branco chegou, o homem vermelho nunca mais foi o mesmo. Ele trouxe o espírito da doença, a gripe que matou nosso povo. E o espírito da ganância que roubou nossas árvores e matou nossos bichos. No passado, já fomos milhões. Hoje, somos somente cinco mil índios à beira do Xingu, não sei por quanto tempo.”(Cacique Mutua)

Já nos alertava Camões, em Os Lusíadas, que é mais prudente ouvir a voz do Velho do Restelo – um dentre as inúmeras pessoas que se amontoaram na praia do Restelo para se despedir dos navegantes - do que seguir os impulsos progressistas de Vasco da Gama que, a serviço do Rei D. Manuel, partiu em 1497 em busca da riqueza e glória no além mar. Passados mais de 500 anos, a reforma do Código Florestal Brasileiro e o projeto de construção da mega usina hidrelétrica Belo Monte ameaçam a sobrevivência da maior floresta tropical do planeta, trazendo à tona, novamente, a questão do progresso a qualquer custo. Tanto a Belo Monte quanto as mudanças no Código Florestal obedecem à lógica do capital e do modelo desenvolvimentista.
Belo Monte, se for construída, irá provocar enormes impactos socioambientais, alagando 516 quilômetros quadrados em pleno coração da Floresta Amazônica, que tem um papel essencial ao equilíbrio climático global e onde habitam metade de todas as espécies terrestres do mundo (incluindo cerca de 180 etnias indígenas); provocando o deslocamento de mais de 30 mil habitantes, a migração de 200 mil pessoas para a região de Altamira (Pará), a expulsão de 13 mil índios, comunidades tradicionais ribeirinhas e agricultores, o desvio de 80% das águas do rio Xingu, além do desaparecimento de paisagens únicas, sítios arqueológicos e uma riquíssima biodiversidade.
O novo Código Florestal, por sua vez, irá significar a concessão de maior impunidade para os madeireiros da Amazônia; a legalização de áreas de risco (encostas, topos de morros e várzeas), aumentando a chance de tragédias ambientais; a aceleração do desmatamento e perda da biodiversidade, agravando os impactos sobre o meio ambiente e beneficiando, exclusivamente, os fazendeiros e proprietários de terra. A progressiva diminuição de mata ciliar no entorno dos rios já vem sendo sentida nas catástrofes provocadas pelas enchentes no Brasil inteiro e só tende a se agravar.
No mesmo dia em que essas mudanças foram aprovadas pela bancada ruralista da Câmara dos Deputados (ironicamente no Ano Internacional das Florestas), o país acordou com a notícia do assassinato, a tiros, do líder ambientalista João Carlos Ribeiro da Silva e sua esposa, mortos em defesa da Amazônia, da mesma forma que Chico Mendes e vários outros ambientalistas, escancarando para o mundo inteiro que, quando os interesses dos fazendeiros estão em jogo, quem dá as cartas nesse país, onde persistem fortes traços do coronelismo colonialista, é o agronegócio.
Não apenas no Brasil, a intensificação de ocorrências de desastres ambientais evidencia, cada vez mais, que o modelo de desenvolvimento baseado na exploração e consumo ilimitados dos recursos naturais, atingiu uma situação-limite, colocando em risco a continuidade da vida no planeta e suscitando uma crescente retomada dos temas ambientais que marcaram os anos 70. As crises do petróleo, do abastecimento de água e de alimento, as mudanças climáticas, a perda da biodiversidade e outros dilemas do mundo contemporâneo, confirmam as tendências anunciadas no livro Limits to Growth, de 1972, mostrando que o mundo seguiu exatamente a trajetória insustentável definida como cenário provável neste livro premonitório.
Atualmente, a “pegada ecológica” humana já ultrapassa em 30% a capacidade de regeneração do planeta. Se não reduzirmos substancialmente nosso consumo, a economia mundial entrará em colapso em meados deste século. Mas a causa principal desse quadro de “agonia planetária”, como define Edgar Morin, não reside na superpopulação de quase sete bilhões de habitantes, mas principalmente no enorme desequilíbrio na distribuição de renda, no desregramento econômico mundial e na relação predatória e irracional com a natureza, conduzindo-nos a uma situação de insustentabilidade do modus vivendi hegemônico.
Em contraposição, a Floresta Amazônica poderia se tornar o ponto de partida para um desenvolvimento ecossocial do Brasil, que é uma potência ambiental por sua abundância em terra, água, sol e biodiversidade. Esses são os ingredientes que deveriam ser utilizados no aproveitamento econômico da biodiversidade da floresta com envolvimento da população local, tais como a fruticultura nativa, os diversos tipos de óleos e a imensa variedade de fitoterápicos e fármacos ainda não descobertos e com grande potencial de cura de diversas doenças.
No próximo ano, teremos a Rio+20: que realidade o Brasil terá a apresentar nesta conferência mundial, transcorridos 20 anos da Eco-92? A perspectiva de mais desmatamento e impunidade para os crimes ambientais? A perda da biodiversidade e o aumento da emissão de gases de efeito estufa? O aumento das fronteiras agrícolas para beneficiar o agronegócio?
Nosso sentido de percepção da realidade ainda é muito falho e fragmentado. Como afirma Morin, “os indivíduos de hoje, consomem o presente, deixam-se fascinar por mil futilidades, tagarelam sem jamais se compreenderem na torre de Babel das bugigangas”. Na metáfora do Mito da Caverna, Platão demonstra que somos como um grupo de homens sentados em uma caverna, voltados o tempo todo para os fundos, percebendo apenas as sombras e imagens fantasmagóricas causadas pelo que acontece do lado de fora da caverna, mas não o que de fato acontece. Acreditamos que essas imagens são verdadeiras, tomando o espectro pela realidade. O que vemos são apenas reflexos, mas certos de que essa é a única realidade possível, permanecemos estáticos, sem mudar de posição. A mídia, com destaque para a televisão, representa hoje a parede no fundo da caverna e tem como função, como alerta Jean-Luc Godard, produzir o “esquecimento”, através de uma profusão de notícias desconectadas, que impedem a percepção clara da realidade.
A grande encruzilhada do século XXI parece residir na imperativa tomada de consciência da nossa identidade planetária. O que está em jogo é, de um lado, a preservação da diversidade cultural e natural ameaçados de homogeneização e destruição e, de outro, a transformação revolucionária das relações sociais e dos valores individuais e coletivos, a partir da liberação de nossos potenciais psíquicos, espirituais, éticos, culturais e sociais. Trata-se, enfim, da necessidade de substituirmos o conceito de desenvolvimento pautado na visão economicista por um conceito de desenvolvimento multidimensional.
O desafio crucial da humanidade, portanto, é o do despertar da percepção coletiva em relação à urgência por atitudes e ações que minimizem a crise planetária. E é somente a partir da identificação e do enfrentamento dos grandes males do mundo contemporâneo – como a miséria, as guerras e o imenso desequilíbrio ecológico - que poderemos livrar nossa mãe Terra de um destino trágico. Não há mais tempo para a inércia. Como nos adverte o Cacique Mutua: “O homem branco devia saber que nada cresce se não prestar reverência à vida e à natureza. Tudo que acontecer aqui vai voar com o Vento que não tem fronteiras. Recairá um dia em calor e sofrimento para outros povos distantes do mundo.”

Texto de Sandra Mara Ortegosa, arquiteta, antropóloga e ativista no Movimento Nova Friburgo em Transição. Publicado no http://www.forumseculo21.com.br/impressa/

Indigenous World Prayer Gathering 3/19/11

sábado, 16 de julho de 2011

o valor da Amâzonia

DIA DE PROTEÇÃO ÀS FLORESTAS - 17 JULHO: O VALOR DA AMAZÔNIA


Tapajós: recursos naturais da Amazônia valem quatrilhões de dólares 

 Telma Monteiro

Publicado em julho 15, 2011 por HC
[EcoDebate] A bacia hidrográfica do rio Tapajós é uma das principais sub-bacias da bacia amazônica e tem cerca de 493.000 quilômetros quadrados onde vivem 820.000[1] pessoas (Censo Demográfico 2000, IBGE[2]). O rio Tapajós é formado a partir do encontro dos rios Juruena e Teles Pires, na divisa dos estados de Mato Grosso, Amazonas e Pará e desse ponto ele avança 825 quilômetros para desaguar na margem direita do rio Amazonas. Os rios Jamanxim e Arapiuns, ambos totalmente no estado do Pará, são os maiores tributários do rio Tapajós.
Um estudo do coordenador de sustentabilidade ambiental do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Aroudo Mota , divulgado hoje (13), aponta que os recursos naturais da Amazônia valem alguns quatrilhões de dólares.O governo brasileiro pretende usar esses recursos naturais para transformar o Brasil na quinta maior economia do mundo. Para chegar lá, o modal hidroviário, baseado na experiência holandesa, é considerado o principal meio. Seminário em Brasília, organizado pelo DNIT, apresentou um conjunto de propostas com a finalidade de orientar políticas públicas de aplicação de tecnologias e de métodos de planejamento. O governo federal quer aproveitar o modelo que levou a Holanda a desenvolver uma estratégia logística para manter seu poder comercial na Europa. Quem estudou história sabe que os holandeses são mercadores por tradição.
O seminário, também teve como objetivo trazer para o Brasil uma leitura moderna – como se isso fosse possível – dos 450 anos de transporte hidroviário holandês para aplicá-lo como modelo a ser seguido na Amazônia. O primeiro Termo de Cooperação entre Brasil e Holanda é de 2008, assinado em Haia; depois, em 2009, foi assinado um Protocolo de Cooperação em Brasília; e finalmente em abril de 2010 foi assinado um Plano de Trabalho que levaria os representantes das instituições brasileiras à Holanda, visando o acompanhamento do Plano Hidroviário Estratégico (PHE) e o Curso de Capacitação em Navegação Interior na Holanda.
Veja-se que a pretensão vai muito além de aumentar a nossa capacidade logística emperrada há anos pela corrupção no Ministério dos Transportes. Na verdade esses planos mirabolantes para transformar a Amazônia num grande corpo de artérias navegáveis, à semelhança de países como Holanda e Bélgica, estão centrados em um modelo medieval que levou à ocupação industrial das margens dos rios junto com a destruição da vida que havia neles.
Holanda x Bacia Hidrográfica Tapajós
A Holanda enxerga o Brasil em números: 5ª maior superfície mundial (205 x Holanda); 4ª maior população mundial e, portanto, importante mercado interno (Brasil 190 milhões, Mercosul 240 milhões); principal mercado emergente na América do Sul; diversas oportunidades regionais; diversas oportunidades setoriais[3] .
Contrastes: a Holanda tem 41.864 km² e 16 milhões de habitantes. A bacia Amazônica abrange uma área de sete milhões de km² dos quais 3,8 milhões de km² encontram-se no Brasil. Com o potencial logístico esgotado na Holanda, as grandes empresas holandesas estão buscando a alternativa de expansão no emaranhado de rios brasileiros na Amazônia. O planejamento das cidades holandesas se deu exclusivamente com a implantação de atividades industriais nas margens dos rios e canais. É exatamente isso que estão querendo fazer com a Amazônia!


mapa hidrico do complexo Tapajós - (site tapajoslivre)
Como é o Complexo Tapajós?
Na esteira dos planos para construção de mega-empreendimentos hidrelétricos na Amazônia foi elaborado o “Estudo de Inventário Hidrelétrico do rio Tapajós e Jamanxim” que identificou o potencial de sete aproveitamentos hidrelétricos com potencial de 14.245 megawatts (MW) de capacidade instalada[4].
Os estudos indicaram um conjunto de aproveitamentos em cascata, no rio Tapajós e no seu principal tributário, o rio Jamanxim. O Ministério de Minas e Energia (MME) considerou que é estratégico para o Brasil explorar esse potencial de energia. Mas não explicou o porquê. O projeto hidrelétrico de São Luiz de Tapajós, o maior aproveitamento da bacia do Tapajos está previsto no Plano Decenal de Energia (PDE) 2020.


As centrais hidrelétricas projetadas no complexo
Em 2010, depois de realizado o inventário para identificar os aproveitamentos hidrelétricos na bacia hidrográfica do Tapajós, foram apresentados também os estudos da Avaliação Ambiental Integrada (AAI) do rio Teles Pires e do rio Juruena, os dois rios que se juntam e formam o Tapajós. Esse parece ser apenas o início de um grande processo de apropriação e privatização dos recursos da Amazônia, incentivado pelo governo, em parceria com grandes empresas nacionais e internacionais e financiamento do BNDES. Projetos de lei estão tramitando[5] céleres no Congresso para viabilizar a construção de eclusas – para transposição de desníveis – simultaneamente à construção de barragens em rios navegáveis e não-navegáveis. Entre os projetos que estão sendo priorizados está o da Hidrovia Tapajós – Juruena -Teles Pires[6].
O governo brasileiro anunciou que o Complexo Tapajós, que está no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), seria leiloado em 2010, o leilão foi transferido para 2011. E já há previsão de que a primeira usina comece a operar em 2016. Os estudos de inventário foram entregues à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) deverá emitir em breve o Termo de Referência para a primeira usina, São Luiz do Tapajós, para a elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).
Uma medida provisória a ser editada ainda este mês (julho) promoverá a redução do Parque Nacional da Amazônia e das florestas nacionais de Itaituba 1 e 2, para evitar conflitos no processo de licenciamento ambiental das usinas do Tapajós. Duas das usinas do complexo afetarão diretamente as unidades de conservação. Pelas notícias essa redução está se dando a pedido da Eletronorte e sem os estudos necessários. Mais uma vez o Ibama sofre as pressões políticas impostas pelas necessidades inexplicáveis das empresas estatais. Eletrobras, uma Petrobrás da energia? Ridículo.
Com a hidrovia Tapajós-Teles Pires-Juruena, o governo brasileiro quer criar uma nova estrutura organizacional calcada em modelo internacional, em especial no holandês, para viabilizar a implantação de cerca de 20 mil quilômetros de malha hidroviária navegável só na Amazônia. As hidrovias passaram a ocupar um papel importante nas diretrizes do governo brasileiro, do Ministério dos Transportes em especial, com a desculpa de reduzir os custos internos de transporte de commodities e dar competitividade às exportações. Custos internos?
Enquanto isso as estradas que tanto mal causaram e que já rasgaram a Amazônia, induziram à ocupação predatória, grilagem, pressionaram o desmatamento e o comércio de madeira ilegal, continuam se desmanchando sem os recursos que sabidamente escoaram para o ralo da corrupção.
Continuação: Ocupação etno-histórica da bacia do Tapajós
[1] Municípios paraenses da Bacia do rio Tapajós têm 531.515 habitantes (IBGE, 2010)
[2] Ainda não há atualização do Censo de 2010 para bacias hidrográficas
[3] Chamada para o Seminário: “A visão holandesa sobre o Brasil e sobre a cooperação bilateral”
[4] Estudos de Inventário Hidrelétrico das Bacias dos Rios Tapajós e Jamanxim – Centrais Elétricas do Norte do Brasil S. A. – Eletronorte e Construções e Comércio Camargo Corrêa S.A. – CCCC – 2008
[5] http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=18958
[6] Projeto Norte Competitivo – Macrologística, disponível em http://www.macrologistica.com.br/9512.html acessado em 18 de janeiro de 2011

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Banho povo do arco-íris



Banho Povo do arco-íris:
Consciência da totalidade, união, integração, amor e paz.
Cor: Arco Íris
Intento: Eu confio em meu coração!

Roda do Arco-íris, doadora de vida
Com tuas chuvas purificadoras.
Unindo todas as cores, os filhos da terra
Voltarão a andar em Paz.

Roda do Arco-íris, anuncias
Que os teus guerreiros já estão de pé,
Irmãs e Irmãos em harmonia,
A tua luz em seus olhos

Roda do arco-íris, toca os nossos corações,
E nós por certo voaremos. Não sós ou separados,
Nossas cores rodopiando no céu.

domingo, 10 de julho de 2011

domingo, 10 de julho de 2011


Belo Monte e o Governo Brasileiro: Desmandos e Opressão na Amazônia

GOVERNO BRASILEIRO: DESMANDOS E OPRESSÃO NA AMAZÔNIA
Dion Marcio C. Monteiro1
[EcoDebate] “O rio Xingu vai virar um rio de sangue”. Esta frase, constante de um comunicado enviado ao ex-presidente Lula da Silva, em dezembro de 2009, assinado por diversos povos indígenas da Bacia do Xingu, e de outras regiões, mais do que um presságio foi um apelo ao bom senso de Brasília, pedindo que a Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte não seja construída. Como resposta o governo federal emitiu, em fevereiro de 2010, a Licença Prévia nº 342/2010 de Belo Monte.
No final de novembro de 2009, um mês antes do comunicado indígena, os analistas ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), avaliando o processo de licenciamento de Belo Monte, apontaram no Parecer Técnico nº114/2009 o seguinte: “tendo em vista o prazo estipulado pela Presidência [do IBAMA], esta equipe não concluiu sua analise a contento. Algumas questões não puderam ser analisadas na profundidade apropriada, dentre elas as questões indígenas e as contribuições das audiências públicas”.
No parecer 114/2009 os analistas também destacaram a existência de um dimensionamento insuficiente dos impactos decorrentes do afluxo populacional para a região, tendo como consequência a proposição de medidas inadequadas visando à preparação local, além de uma indefinição sobre o papel de cada um dos agentes públicos na implementação das ações necessárias. Outro elemento apresentado neste parecer se refere a um elevado grau de incerteza em relação ao prognóstico da qualidade da água, em especial no reservatório dos canais da hidrelétrica.
Por fim, foi observado que “o estudo sobre o hidrograma de consenso não apresenta informações que concluam acerca da manutenção da biodiversidade, a navegabilidade e as condições de vida das populações do TVR [Trecho de Vazão Reduzida]”.
Tanto o Parecer Técnico nº06/2010, quanto a Nota Técnica nº04/2010, ambos emitidos no mês dejaneiro/2010, reforçaram e confirmaram as pendências em relação à avaliação ambiental de Belo Monte. Porém, mesmo sendo os pareceres e notas técnicas peças fundamentais no processo de licenciamento, o governo simplesmente os ignorou, e concedeu a Licença Prévia no mês seguinte, como anteriormente observado.
Tal como fez com os técnicos do IBAMA, o governo federal também ignorou o parecer dos técnicos da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que consultados sobre a emissão da Licença de Instalação (LI) de Belo Monte, afirmaram, através da Informação nº565 de novembro de 2010, que “devido aos atrasos, aparente falta de priorização no cumprimento das condicionantes, incluindo aí aquelas que foram eleitas como prioritárias, não existem elementos técnicos para um posicionamento da FUNAI em relação à solicitação de LI de obras iniciais. Em relação à LI “total”, a FUNAI só poderá se manifestar tecnicamente após o cumprimento integral e irrestrito de todas as condicionantes do empreendedor, além da aprovação do PBA [Projeto Básico Ambiental] do componente indígena”.
Na Informação nº22, de janeiro de 2011, os técnicos da FUNAI afirmaram que “Segundo informações da Frente de Proteção do Médio Xingu, não há o cumprimento das obrigações da NESA [Norte Energia S.A.] na região”. Afirmaram ainda que “As atividades de segurança alimentar e etnodesenvolvimento tem causado mais impactos na região (…). Essa ação da NESA tem, inclusive, estimulado a presença dos índios na cidade de Altamira, saindo de suas aldeias”.
Nesta mesma Informação os técnicos disseram que “Não foi executada praticamente nenhuma ação de fortalecimento institucional, sendo que a Funai local tem, sistematicamente desviado suas funções principais – Frente de Proteção – para atendimento das demandas criadas pela presença da NESA na região”. Quanto às ações desenvolvidas pela Norte Energia, o parecer dos analistas disse que “Não há ainda equipe do empreendedor para tratar especificamente da questão indígena, nem mesmo a criação, dentro da NESA, de instância específica para acompanhamento do componente indígena”.
Os servidores da FUNAI alertaram que “A simples assinatura do Termo de Compromisso não garante que ações efetivas e estruturantes para as comunidades estão sendo executadas”. Concluindo que “não houve, desde setembro de 2009, (…), ou desde março de 2010, (…), ações efetivas e estruturantes para as comunidades indígenas”. Nesse período apenas “Foram executadas ações preparatórias e ações paliativas, que em alguns casos tem se mostrado mais impactantes e nocivas do que a situação que havia anteriormente”.
Avançando nestas reflexões observaram que “não houve nenhuma ação significativa para as comunidades indígenas, em especial para a TI Paquiçamba. Ou seja, ainda restam condicionantes e ações emergenciais cujo objetivo era a preparação da região para o empreendimento, cujo não atendimento, caso o IBAMA emita a Licença de Instalação de Obras Iniciais, compromete claramente a segurança da condução do processo e da integridade das comunidades indígenas na região”.
Finalizando a Informação nº22/2011, os técnicos explicitaram que “uma vez que as condicionantes indígenas ainda não apresentaram resultados concretos positivos para as comunidades indígenas, não recomendamos que a Funai manifeste-se favoravelmente à emissão de qualquer licença de instalação”.
A resposta da presidência da FUNAI, constante do Ofício nº13/GAB-FUNAI de janeiro de 2011, foi “A Funai não tem óbice para a emissão da Licença de Instalação – LI das obras iniciais do canteiro de obras da UHE Belo Monte, considerando a garantia de cumprimento das condicionantes”. Sustentado por esta manifestação, o governo federal emitiu imediatamente a Licença de Instalação parcial nº770, de 01/2011.
Aos técnicos e servidores do IBAMA e da FUNAI, que exerceram suas atividades com seriedade e honradez, recusando-se a servir a interesses escusos de superiores hierárquicos, restou demissão, coação, assédio moral e remanejamento para outras áreas onde não “atrapalhassem” os planos já traçados no conluio firmado entre presidentes da república, donos de empreiteiras, mineradoras, e outras empresas nacionais e transnacionais.
Em meio a tantos desmandos e opressão, nunca é demais lembrar que Belo Monte, caso seja construída, vai entregar no mínimo R$30 bilhões para as empreiteiras e amigos do governo federal, sendo que a maior parte deste recurso vai ser retirada da saúde, educação, segurança pública, habitação, saneamento, etc.; vai expulsar mais de 40 mil pessoas de suas casas e de suas terras, até hoje não foi informado para onde elas irão; vai secar um trecho de 100 km da Volta Grande do Rio Xingu, acabando com toda a biodiversidade local; não vai gerar energia para a população da Amazônia, nem diminuir o valor da conta de quem já tem luz em casa, pois 80% de sua energia será para as indústrias do centro-sul do Brasil, e 20% para empresas como VALE, ALCOA, ALBRAS e ALUNORTE.
Belo Monte vai atingir a aldeia indígena Paquiçamba, Arara da Volta Grande, Juruna do Quilômetro 17 e Trincheira Bacajá, direta ou indiretamente mais de 15 mil indígenas sofrerão as consequências das barragens construídas no rio Xingu; vai impactar 11 municípios, totalizando uma população de mais de 360 mil pessoas, porém somente foram realizadas audiências públicas em 03 desses municípios; vai gerar, em média, somente 39% de sua capacidade máxima de produção de energia, e os técnicos informam que é necessário produzir no mínimo 55% para que uma usina seja viável economicamente; vai ser construída com recursos públicos, pois o BNDES vai financiar 80% da obra, cobrando juros de 4% a.a, com 05 anos de carência e 25 de amortização. Quem construir Belo Monte terá 75% de desconto na sua declaração de Imposto de Renda.
Belo monte vai elevar as taxas de desemprego, aumentando as dificuldades e o caos social na região. O próprio EIA/RIMA do governo, documento elaborado em parceria com as empreiteiras Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Norberto Odebrecht, informa que 100 mil pessoas migrarão para Altamira, e que no pico da obra, durante dois anos, serão gerados 18 mil empregos diretos e 23 mil indiretos, ou seja, um pouco de mais de 40 mil empregos. Conclusão, 60 mil pessoas que migrarão para a região não terão emprego em nenhum momento, juntando-se aos milhares de desempregados que já se encontram no local.
Como as condicionantes definidas na Licença Prévia 342/2010 não foram cumpridas até hoje, o deslocamento de aproximadamente 20 mil trabalhadores, que já chegaram a Altamira, tem causado graves problemas, expressos na elevação dos índices de criminalidade, assaltos, arrombamentos e outros delitos; trânsito intenso, com aumento na quantidade de atropelamentos e colisões entre veículos; e pressão sobre os serviços de saúde pública, que mesmo antes não conseguiam atender a demanda.
Outro problema verificado é a alta nos preços dos alugueis de prédios comerciais e residenciais, causando o fechamento de pequenos empreendimentos locais (que não conseguem mais pagar o que está sendo cobrado), além de fazer florescer um grupo social ainda desconhecido na região, os Sem-Teto urbanos. Recentemente um grupo com quase 300 famílias ocupou dois terrenos na periferia da cidade, sendo violentamente despejados pela polícia militar, mesmo não havendo mandado judicial. Também vinculado a este fator observa-se uma grande pressão ambiental na cidade, com aumento no desmatamento de áreas que ficam nos arredores de Altamira, isto para a construção de pequenos barracos, caracterizando novos “bairros”, sem nenhuma estrutura urbana. É o desenvolvimento chegando.
Segundo os dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON) o município de Altamira foi o campeão de desmatamento na Amazônia no mês de maio de 2011, desmatando 22 quilômetros quadrados de floresta, o dobro do registrado nesta cidade em abril. Os técnicos deste Instituto avaliam que uma das explicações é a expectativa sobre a construção da UHE Belo Monte. A mesma coisa aconteceu com Porto Velho, em Rondônia, que ficou em segundo lugar entre os maiores desmatadores do mês de maio. Não coincidentemente é em Porto Velho que estão sendo construídas as Hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau.
Professores, juristas e pesquisadores das mais renomadas universidades e associações científicas têm afirmado que a UHE Belo Monte não tem viabilidade econômica, social, ambiental, cultural, política, e nem mesmo Jurídica. Mesmo assim o governo federal insiste em construir esta hidrelétrica.
Aos povos do Xingu só resta resistir. Lutar até o ultimo suspiro pela vida dos rios, da floresta, pelas suas próprias vidas, de seus pais, de seus filhos. Indígenas, pescadores, ribeirinhos, camponeses, quilombolas, extrativistas, povos do campo e da cidade vão continuar se contrapondo a este projeto de destruição e morte, implementado pelo grande capital e seus aliados. O rio Xingu pode virar um rio de sangue, e o governo brasileiro será o único responsável.
1 Economista do Instituto Amazônia Solidária e sustentável (IAMAS), Mestre em Planejamento do Desenvolvimento (NAEA/UFPA), componente do Fórum Social Pan-Amazônico (FSPA), e do Movimento Xingu Vivo – Comitê Metropolitano

UMA REVOLUÇÃO AINDA POR FAZER – LEONARDO BOFF

Toda mudança de paradigma civilizatório é precedido por uma revolução na cosmologia (visão do universo e da vida). O mundo atual surgiu com a extraordinária revolução que Copérnico e Galileo Galilei introduziram ao comprovarem que a Terra não era um centro estável mas que girava ao redor do sol. Isso gerou enorme crise nas mentes e na Igreja, pois parecia que tudo perdia valor. Mas lentamente impô-se a nova cosmologia que fundamentalmente perdura até hoje nas escolas, nos negócios e na leitura do curso geral das coisas. Manteve-se, porém, o antropocentrismo, a idéia de que o ser humano continua sendo o centro de tudo e as coisas são destinadas ao seu bel-prazer.

Se a Terra não é estável – pensava-se – o universo, pelo menos, é estável. Seria como uma incomensurável bolha dentro da qual se moveriam os astros celestes e todas as demais coisas.
Eis que esta cosmologia começou a ser superada quando em 1924 um astrônomo amador Hubble comprovou que o universo não é estável. Constatou que todas as galáxias bem como todos os corpos celestes estão se afastando uns dos outros. O universo, portanto, não é estacionário como ainda acreditava Einstein. Está se expandindo em todas as direções. Seu estado natural é a evolução e não a estabilidade.

Esta constatação sugere que tudo tenha começado a partir de um ponto extremamente denso de matéria e energia que, de repente, explodiu (big bang) dando origem ao atual universo em expansão. Isso foi proposto em 1927 pelo padre belga, o astrônomo George Lemaître, o que foi considerado esclarecedor por Einstein e assumido como teoria comum. Em 1965 Penzias e Wilson demonstraram que, de todas as partes do universo, nos chega uma radiação mínima, três graus Kelvin, que seria o derradeiro eco da explosão inicial. Analisando o espectro da luz das estrelas mais distantes, a comunidade científica concluiu que esta explosão teria ocorrido há 13,7 bilhões de anos. Eis a idade do universo e a nossa própria, pois um dia estávamos, virtualmente, todos juntos lá naquele ínfimo ponto flamejante.

Ao expandir-se, o universo se auto-organiza, se auto-cria e gera complexidades cada vez maiores e ordens cada vez mais altas. É convicção de grande parte dos cientistas que, alcançado certo grau de complexidade, em qualquer parte, a vida emerge como imperativo cósmico. Assim também a consciência e a inteligência. Todos nós, nossa capacidade de amar e de inventar, não estamos fora da dinâmica geral do universo em cosmogênese. Somos partes deste imenso todo.

Uma energia de fundo insondável e sem margens – abismo alimentador de tudo – sustenta e perpassa todas as coisas ativando as energias sem as quais nada existe do que existe.

A partir desta nova cosmologia, nossa vida, a Terra e todos os seres, nossas instituições, a ciência e a técnica, a educação, as artes, as filosofias e religiões devem ser resignificadas. Tudo e tudo são emergências deste universo em evolução, dependem de suas condições iniciais e devem ser compreendidas no interior deste universo vivo, inteligente, auto-organizativo e ascendente rumo a ordens ainda mais altas.

Esta revolução não provocou ainda uma crise semelhante à do século XVI, pois não penetrou suficientemente nas mentes da maioria da humanidade, nem dainteligentzia, muito menos nos empresários e nos governantes. Mas ela está presente no pensamento ecológico, sistêmico, holístico e em muitos educadores, fundando o paradigma da nova era, o ecozóico.

Por que é urgente que se incorpore esta revolução paradigmática? Porque é ela que nos fornecerá a base teórica necessária para resolvemos os atuais problemas do sistema-Terra em processo acelerado de degradação. Ela nos permite ver nossa interdependência e mutualidade com todos os seres. Formamos junto com a Terra viva a grande comunidade cósmica e vital. Somos a expressão consciente do processo cósmico e responsáveis por este pedaço dele, a Terra, sem a qual tudo o que estamos dizendo seria impossível. Porque não nos sentimos parte da Terra, a estamos destruindo. O futuro do século XXI e de todas as COPs dependerá da assunção ou não desta nova cosmologia. Na verdade só ela nos poderá salvar.


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Leonardo Boff com Mark Hathway escreveram The Tao of Liberation: exploring the ecology of transformation, N.Y., 2010.
Fonte : http://www.leonardoboff.com/site/lboff.htm

sexta-feira, 8 de julho de 2011

XINGU VIVO PARA SEMPRE

Belo Monte: indígenas participam da audiência pedida pelo Tribunal Regional Federal



Divulgação CIMI

Relato de Paul Wolters da audiência pública sobre Belo Monte convocada pela desembargadora federal Selene Almeida

Indígenas no país das maravilhas

Brasília, 4 de julho 2011
Na sala Nobre do Tribunal Regional Federal da 1ª Região predominam o preto e cinza dos ternos, blazers e saias, os uniformes do poder. São funcionários da Funai, Ibama, EletroNorte, Norte Energia, Ministério de Minas e Energia, Aneel e Casa Civil da Presidência, que chegaram em grande número, engrossando a platéia das apresentações governo-empresariais da audiência pública sobre Belo Monte, convocada pela desembargadora federal Selene Almeida.
O contraste visual deixa nítidas as diferenças entre os dois grupos. Nas falas, o contraste se confirma. O governo, que, em tese, representa e defende um país multicultural, aparece predominante branco, uniformizado, formal, técnico, com uma única visão para todo pais, focada no que chama de desenvolvimento. Os representantes do MME, Aneel, Ibama, Funai e da Casa Civil fazem apresentações elaboradas, longas, com vídeo e data show, porém, técnicas, transbordando de datas, números e siglas. Frias.
As falas dos indígenas são curtas, claras, sem data show e sem voltas. São falas inflamadas, do coração, emocionantes. Não fomos consultados. Quem diz o contrário, é um mentiroso. Belo Monte vai trazer muita destruição. Não queremos Belo Monte. Se for para frente, vai ter briga. A primeira guerra do Brasil.
Não poderia ser diferente. Como poderia um técnico, um diretor, morando em Brasília, trabalhando num escritório, e que talvez nunca tenha visitado o Xingu, avistado a grandeza do rio, como ele poderia falar com emoção sobre os impactos de Belo Monte? Os indígenas, em contrário, nasceram e cresceram na região. Falam da sua casa. Tiram do rio o seu sustento, conhecem, melhor que os técnicos, os rios. Já sentem os impactos da usina na pele.
Cada vez mais irritados, assistem eles às falas dos técnicos que tentam explicar, convencer de quanto a usina é bom para o Brasil, para a região, quanto os indígenas foram ouvidos e tomados em consideração e quanto as condicionantes assegurarão um futuro maravilhoso para os povos originários. O Xingu, a natureza, para eles nada mais é do que uma máquina previsível e controlável. Para impacto X, aperta botão Y, implementa condicionante Z e pronto.
As falas técnicas demoram. Duas horas e meia. É duro assistir calado a todas às maravilhas projetadas, às afirmações infundadas, omissões, meias-verdades e mentiras. O cansaço toma conta da platéia. Finalmente, o intervalo.
“Não podemos reproduzir um modelo nefasto”
“Se eu não fosse do Pará, eu sairia absolutamente impressionado com as maravilhas apresentadas aqui. Mas eu sou do Pará, conheço o estado inteiro”. Se não conhecemos exatamente os motivos do deputado Arnaldo Jordy (PPS/PA), na sua fala depois do intervalo, ele acerta e dá os primeiros golpes às apresentações governamentais. “Eu sei o que as grandes obras trouxeram para o meu estado. Desenvolvimento nenhuma!” Jordy é vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmera dos Deputados e, até agora, declaradamente contra a usina. Ou pelo menos, contra a forma como ela está sendo empurrada goela abaixo, desrespeitando as leis e os direitos humanos. “Estamos perpetuando o mesmo modelo colonizador das últimas décadas, da época da ditadura. Essa geração não pode reproduzir um modelo nefasto, um modelo que até agora segue os moldes de Tucuruí!”
Ele enumera alguns pontos indicadores deste “desenvolvimento” das últimas décadas, como o baixo índice de desenvolvimento humano do estado, a terceira pior renda per capita do Brasil; a posição nº 1 do estado na violência no campo; em trabalho escravo; em prostituição infanto-juvenil; 1.6 milhão de pessoas sem energia elétrica; “E isso chamam de desenvolvimento!”
Desqualifica, ainda, as audiências públicas, elogiadas pelos representantes do MME, a Funai e o Ibama. “Participei de três audiências, inclusive a de Altamira. O projeto foi veemente e contundentemente rechaçado pela população presente. Mas isso não se fala aqui!”
Ao final ainda comenta, o que talvez seja o seu verdadeiro interesse no assunto: “O Pará não recebe nada de toda essa energia gerada e exportada, porque o imposto, o ICMS, é cobrado do consumidor final.” Será que a lei Kandir é que motiva sua posição?
“Com certeza o senhor está mentindo!”
Finalmente, é dada a palavra aos representantes indígenas. Que são, de fato, a quem interesse mais essa audiência, porque trata-se da Ação Civil Pública que questiona a legitimidade do processo de licenciamento da usina, justamente por falta da realização das Oitivas Indígenas. De fato, neste contexto, tanto a fala do MME, quanto da Casa Civil sobre o Plano Regional de Desenvolvimento Sustentável (PRDS) do Xingu, foram absolutamente supérfluas, desnecessárias. Denise, assessora jurídica do Cimi, se limita a colocar algumas preocupações acerca da usina, para não tirar tempo dos próprios atingidos.
Fala primeiro o cacique Ireo Kayapó, que dá continuidade às duras críticas iniciadas por Jordy. Se dirige a Aloysio Guapidaia, vice-presidente da Funai. “Com certeza o senhor está mentindo, quando diz que nós fomos consultados.” Explica que não houve o tipo de reuniões na sua região, como descritas pelo Guapidaia. “Com certeza vocês estão trabalhando fora da lei! Tem que conversar, falar com quem está dentro da aldeia. Vocês não foram lá!” E continua: “A Funai está querendo ganhar dinheiro em cima dos indígenas, fazendo projetos, com dinheiro do consórcio. Ao mesmo tempo estamos sem remédios, sem assistência em nossas aldeias!”
Ireo deixa uma mensagem bem clara: “Estou aqui para defender minha aldeia. Se vocês levarem a construção para frente, vou levar minha comunidade para a região, vamos criar aldeias lá, com certeza, final do outro mês! Vai ter briga, vai ter muita confusão, morte!”
As palavras tem efeito. Assessores de terno se reúnem com os chefes, sussurrando. Até Ireo, cada apresentação recebeu um salvo da palmas. Para Ireo, a platéia uniformizada não tem essa educação e fica calada.
Manoel Perita Juruna, cacique da comunidade Juruna da Terra Indígena Paquiçamba, se limita a dizer que não tem opinião sobre a usina, porque não foi informado sobre ela.
“Tanta destruição, para tão pouco desenvolvimento!”
A fala de Joseney Arara segue a linha de Ireo. “Eu sou índio afetado pela usina. Eu, Joseney Arara. Já somos impactados, porque lá, na aldeia, estamos chorando, por causa da usina. O rio vai secar, com certeza! Sei, porque moro lá! Vocês não têm idéia do impacto que vai dar a destruição do Xingu. A Terra Paquiçamba, por exemplo, vai ser uma ilha, porque dos lados, vai ser tudo destruído! Na minha aldeia têm crianças também – o que vai ser deles? Aonde eles vão? Tanta destruição, para tão pouco desenvolvimento!”
E faz o convite. “Eu queria que vocês fossem lá, na nossa aldeia, para ver se a gente fala a verdade ou se estamos mentindo. Repito, não fomos consultados. A Funai mente, a NeSa mente! Tem que ser honesto! Não estamos sendo respeitados nos nossos direitos.”
Alerta também que a resistência está longe de acabar. “Vamos até o fim, lutar até o fim! Quando matem os índios, aí sim podem construir a usina.”
De novo, silêncio por parte dos uniformizados, a não ser o sussurro dos assessores. Apenas os poucos aliados na platéia aplaudam a fala do cacique.
“Constituição não fala em explicar. Fala em ouvir!”
Ultimo a falar é Ubiratã Gazetta, procurador do MPF do Pará. Ele arrasa. Sobrou para ele desmascarar em vinte minutos as mentiras, inverdades, falsas premissas e as omissões, apresentadas em duas horas e meia pelos representantes do governo. Consegue, com maestria. A desembargadora ouve atentamente quando Ubiratã explica a falácia das audiências, o policiamento das audiências, a proibição para os indígenas entrarem em suas trajes tradicionais, a falácia das condicionantes, que comprovem nada mais do que a falência do estado, o adiamento pelo Ibama do cumprimento das condicionantes, a bolha imobiliária que já provoca preços de aluguel exorbitantes em Altamira, inclusive para as palafitas, a falácia do empreendimento privado, a falácia de que o povo brasileiro não pagaria para as futuras perdas da usina ineficiente, etc.
Pelo cronograma da Norte Energia, aprovada pelo Ibama, O saneamento da cidade Altamira ficaria pronta em 2015 ou 2016. “Mas as 100.000 pessoas chegam em 2011, 2012, 2013.” Com respeito ás escolas e hospitais prometidos, ou, em alguns casos, em construção, como alardeado pela NeSa, o procurador explica que construir é simples: “Mas construir não é suficiente. Precisa de infra-estrutura, de matérias médicos. Quem vai colocar professores, médicos? Eles não querem trabalhar na região”.
Quanto à falácia da realização das oitivas indígenas, ele é contundente, inclusive mostrando na tela os trechos da Constituição a respeito. “Sempre a Funai fala: “explicamos aos indígenas, explicamos”. Mas a Constituição não fala em explicar. Fala em ouvir!”
Outra falácia que ele desmascara é o argumento que a diversão do rio pela usina não implicaria em “aproveitamento de recursos hídricos em áreas indígenas”. Mostra trechos de vários relatórios, inclusive do Ibama, que, ao longo dos anos, confirmaram que sim se trata de aproveitamento. “Mas de repente, em um passo mágico, se decidiu que não é o caso”.
De novo, aplauso de poucos. Silêncio dos ternos e blazers, que parecem nervosos.
“Podem ou não podem sobreviver?”
Raúl, assessor jurídico do ISA, é o último a falar. Ele coloca uma pergunta, para o Ibama e a Funai. “Diminuindo anualmente a vazão do rio com 94%, por tempo prolongado, permite ou não permite, a longo prazo, a sobrevivência, inclusive cultural, das comunidades indígenas na Volta Grande?” É uma pergunta simples. Mas nem essa, os representantes do Ibama e da Funai respondem.
Por causa do tempo, são quase as oito da noite, a desembargadora Selena encerra a audiência. “Peço que Deus nos ilumine. Acho que, no meio de tanta técnica, de tantas soluções técnicas, não assusta ter a humildade de reconhecermos que não temos solução para tudo”. Pois é. Tocou no cerne da questão. Não temos mesmo. Mas há quem não reconhece isso, insistindo na arrogância da dominação da natureza. O que os gregos chamaram dehýbris, atitude que sempre resultou em tragédia