quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Belo Monte: anúncio de uma guerra
8.11.2012, 16:48, hora de Moscou
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© Flickr.com/elementality/cc-by-nc-sa
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A polêmica em torno da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte na bacia do rio Xingu já dura mais de 20 anos. Desde 1989 que as lideranças indígenas do Xingu bradam ao Brasil seu descontentamento com a política de construção de barragens no Xingu e, desde então, ainda não ocorreram negociações sérias entre o povo indígena e o governo sobre a situação em Belo Monte.
O governo pretende construir uma usina hidrelétrica na região amazônica para que o Brasil se sustente energeticamente. O local deve gerar energia para todo o país.
Belo Monte é o principal canteiro de obras da hidrelétrica, onde vai funcionar o coração da usina. Os brasileiros já não podem imaginar a vida deles sem ar condicionado quando faz calor, sem luz durante a noite escura, sem televisão, Internet e outras coisas importantes. Por isso é essencial, é vital ter uma fonte de energia permanente e confiável. Neste sentido, a decisão de construir uma usina parece perfeitamente razoável.
No entanto, as autoridades colocaram um ponto final às decisões tomadas na Amazônia sem a participação dos índios – os proprietários legítimos da região. Assim o governo tem o que merece: muitos protestos da parte indígena e da sociedade brasileira.
Há muitas páginas na internet e vídeos dedicados ao problema da construção da usina de Belo Monte. Os autores do filme "Belo Monte, Anúncio de uma Guerra" escreveram na página do Facebook: “Fizemos um trabalho sério e de investigação escutando os vários lados da questão, e ficou claro: Belo Monte está sendo imposta pelo governo sem que haja diálogo com os índios e com o resto da sociedade”.
O povo indígena não estava preparado para a construção da usina e para os terríveis efeitos das obras.
“Para começar, a usina está sendo levantada na floresta amazônica e não é preciso ressaltar toda a importância dela, talvez a nossa maior riqueza, fauna e flora riquíssimas… e é justamente essa fauna e flora quem mais sofrerá na construção da usina… primeiro, pelo desmatamento causado… segundo, uma boa parte do lugar ficará inundada permanentemente, acabando com o habitat natural de bichos e plantas… em terceiro lugar, a usina alterará a vazão natural do rio, o que irá afetar todo o ciclo ecológico da região…” - escreve o blogueiro Felipe Araujo.
Realmente, os índios enfrentam problemas ecológicos que não deixam de preocupar a comunidade, cuja atividade principal é a pesca.
“A água não pode ser barrada. As pessoas que vivem nessas áreas vão perder o peixe, a floresta vai secar”, - conta a mulher cacique no filme Belo Monte.
A ausência de diálogo, a necessidade do pagamento de indenizações pelos danos da parte do governo provocaram muitas manifestações. Uma das mais recentes teve lugar em 8 de outubro. Mais de 120 indígenas instalaram um acampamento próximo ao canteiro de obras, paralisando a construção da usina em protesto contra o não cumprimento das condicões razoáveis apresentadas pelos índios.
Eles explicaram os motivos deles em uma carta aberta alguns dias depois:
“...Em nenhum momento houve de nossa parte nenhum ato de agressão...Ao contrário, a empresa (Norte Energia) é quem está violentando o rio Xingu e os nossos direitos através da construção desta usina, já declarada ilegal pelos desembargadores da 5a turma do TRF-1, além de estar fazendo ameaças via telefone às lideranças indígenas e coação através do corte da água potável e eletricidade no local da ocupação”.
Nesta carta aberta, o povo indígena também pede o cumprimento das exigências comuns:
“Exigimos nossos direitos de pescar e andar livremente no nosso rio”, “demarcação dos territórios indígenas, projetos sustentáveis sociais para a comunidade e outros...”
Esses trechos da petição indígena não parecem uma tarefa irrealizável para um país tão grande como o Brasil.
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
Telma Monteiro: Belo Monte é a forma de viabilizar definitivamente...
Telma Monteiro: Belo Monte é a forma de viabilizar definitivamente...: Desenho do projeto Volta Grande em que foi omitida a TI Arara da Volta Grande ESCRITO POR TELMA MONTEIRO para o Correio da Cidadania...
sábado, 3 de novembro de 2012
Li o editorial de 25/10/2012 e não concordo com ele. Quando falamos em meio ambiente até os leigos se manifestam confundindo ambientalismo (defesa do meio ambiente) com ecologia, que é um termo científico que estuda as interações entre os organismos e seu ambiente, ou seja, é o estudo científico da distribuição e abundância dos seres vivos e das interações que determinam a sua distribuição. No entanto, o projeto inicial de Belo Monte tem, sim, 30 anos, mas foi pouco debatido, inclusive, nada debatido com as populações que ali vivem ou viviam. Quando fala de prudência demasiada dos ecologistas, não se trata de achismo, trata-se de doutores e mestres que estudam e dedicam suas vidas a estudos e pesquisas, tudo baseado cientificamente. Discordo também que o Brasil precisa ofertar ao investidor energia. Por isso, estamos fazendo Belo Monte, Santo Antônio, Jirau, Estreito e o complexo de Tapajós. Era de se imaginar que, com tantas tecnologias disponíveis para geração de energia, temos que ofertar energia hidráulica ou que, sem hidrelétricas, a opção seria reativar as onerosas e altamente poluidoras usinas térmicas. Penso que o achismo é bastante tendencioso. Outra barbaridade é dizer que temos dois modelos de exploração dos rios da Amazônia: um que terá como prioridade a produção de riqueza e emprego na região onde são instaladas as usinas. Outro, para estudar a biodiversidade. Como assim? Riqueza e emprego? Após a finalização da obra, onde vão trabalhar os mais ou menos 5 mil operários? Sem falar de suas famílias. Belo Monte está na área de abrangência do município de Altamira, que será diretamente beneficiado com o empreendimento. Isso é um equívoco, dados mostram o aumento da criminalidade, como roubo, furto e estupro. Outra barbaridade é afirmar que a usina é um laboratório vivo do desenvolvimento e conhecimento. Em Belo Monte, haverá o maior centro de pesquisa da América Latina em biodiversidade. Isso é o que importa. Isso é o que importa? Isso é apenas uma condição do licenciamento ambiental da obra, é apenas uma reparação no estrago que a usina Belo Monte fará naquela região. Isso é uma condicionante para a obtenção do licenciamento. A energia será para as indústrias mineradoras, e Belo Monte, na maior parte do ano, funcionará com baixa potência gerando 40% apenas. (Igor Doyle - igor.doyle@gmail.com)
Belo Monte: Audiência de conciliação posterga maioria das decisões e mitigações
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Os manifestantes comemoraram o fato de que, desta vez, todos os acordos com a Norte Energia passam a valer juridicamente, sendo que eventuais descumprimentos serão punidos com multa. | |||
Por Movimento Xingu Vivo O atendimento concreto de grande parte das medidas exigidas pelos manifestantes, no entanto, foi majoritariamente postergado e deverá ser definido em reuniões futuras. Apesar do descontentamento com a falta de soluções concretas e imediatas, os manifestantes comemoraram o fato de que, desta vez, todos os acordos com a Norte Energia passam a valer juridicamente, sendo que eventuais descumprimentos serão punidos com multa. Registrados em ata protocolada e enviada à Funai, ao Supremo Tribunal Federal e aos demais órgãos do Governo responsáveis pela sua execução, os compromissos assumidos pela Norte Energia são mandatórios perante a Justiça Federal, explicou a defensora pública Andréa Barreto. “Isso é uma vitória. Agora não pode mais haver descumprimentos de acordos, como vinha ocorrendo. Se descumprir, a empresa será cobrada judicialmente”, afirmou a defensora. Apesar de terem desocupado a ensecadeira e assinado a ata da audiência, lideranças indígenas voltaram a afirmar que negociações acerca de condicionantes e outras obrigações não cumpridas pela Norte Energia não tem nenhuma relação com o fato de que Belo Monte continua sendo uma obra ilegal, uma vez que o direito à consulta indígena, prevista pela Constituição Federal e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi violado pelo governo. “Exigimos que o Judiciário vote todas as ações contra a usina, e exigimos que o Supremo Tribunal Federal paralise a obra até que sejam feitas as oitivas indígenas. É importante que a Norte Energia seja obrigada judicialmente a cumprir medidas de mitigação e compensação, porque as populações do Xingu estão sofrendo muito. Mas o Judiciário também tem que cumprir sua obrigação de zelar pelas leis e pelos nossos direitos, e o que é certo é certo: Belo Monte é ilegal”, afirmou Juma Xipaya. As reivindicações indígenas acerca dos aspectos jurídicos e do não cumprimento de condicionantes pela Funai foram retiradas da pauta da audiência. Veja abaixo o resumo dos principais encaminhamentos da reunião: Encaminhamentos da pauta indígena - Sobre a criação do Comitê de acompanhamento das condicionantes e dos programas de compensação da UHE Belo Monte: a questão será discutida novamente em reunião no dia 30 de outubro de 2012. - Sobre problemas com a comunicação e radiotransmissão nas aldeias (os rádios instalados pelo não funcionam adequadamente): ficou encaminhado que até o dia 30, na reunião do comitê de acompanhamento das condicionantes, serão apresentadas as providências que serão adotadas para melhorar a comunicação. - Sobre o Plano de Fiscalização e Vigilância Emergencial para todas as terras indígenas (TIs): de acordo com os indígenas, a construção das bases de proteção das aldeias estão com seus prazos todos vencidos. Ficou definido que até o final do mês de novembro de 2012 todas as Unidades de Proteção Territorial (UPTs) estarão vistoriadas em conjunto entre a FUNAI e a Norte Energia, e até março de 2013 serão contratadas as empresas para construção e compra de material. A empresa terá quatro meses para terminar de construir todas as UPTs, que terão de ser entregues até julho de 2013. - Sobre a construção de escolas, postos de saúde e demais obras de infraestrutura, previstas no Plano Básico Ambiental (PBA): a Norte Energia reconhece que fez uma interpretação equivocada do PBA, e que o Plano Operativo não contemplou todas ações (saúde, educação e infraestrutura) para todas as aldeias afetadas. Ficou definido que os projetos executivos das obras devem ser entregues até abril de 2013 e as obras serão iniciadas em maio. - Sobre os projetos de energia, de abastecimento de água e de esgotamento sanitário: ficou encaminhado que serão feitos dentro do PBA para todas aldeias. Sobre o projeto de energia, a Norte Energia se comprometeu a iniciar o diagnóstico em fevereiro de 2013 em todas as aldeias. Sobre os projetos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, a Norte Energia se comprometei a cumprir o mesmo cronograma da construção das escolas e postos de saúde. Encaminhamentos da pauta das demais comunidades atingidas No dia 17, a audiência de conciliação foi retomada sob comando das Procuradoras Federais Analice Uchoa Cavalcanti (que presidente a audiência) e Erika de Oliveira Almeida ,com a leitura da pauta dos ribeirinhos acerca do remanejamento imediato das famílias de áreas do canteiro de obras do sítio Pimental, em razão das explosões e situação de insegurança, e das dificuldade no transporte. Foi acordado pela Defensoria Pública e pela Norte Energia que, sendo comprovados os impactos sobre as famílias de ribeirinhos, estas serão remanejadas. No dia 23 de outubro, uma diligência composta por um representante da Norte Energia (com poder de decisão), técnicos, representantes da Defensoria Pública de Altamira, moradores do local, um representante da FUNAI, deverá analisar as condições e os impactos. Sobre a demanda de reconhecimento dos territórios das populações tradicionais ribeirinhas e indenização justa, ficou encaminhado que a Defensoria Pública e o Ministério Público oficiarão a Norte Energia para convocar uma reunião para discutir a situação das populações tradicionais atingidas pela obra. Sobre a pesca de espécies ameaçadas e protegidas pelo Ibama, cuja liberação vem sendo reivindicada em função da mortandade de peixes causada pelas obras de Belo Monte: uma analista do IBAMA, junto com a Procuradora Federal, devem enviar um relatório dessa audiência conciliatória com a solicitação dos ribeirinhos ao IBAMA, e enviar uma cópia do relatório para a Defensoria Pública até 19 de outubro de 2012. A Defensoria Pública vai acompanhar os encaminhamentos do referido relatório. Sobre os direitos e as indenizações a pilotos de voadeira, que já estão perdendo passageiros e têm dificuldade de navegação pelo Xingu com o seu barramento, foi marcada uma reunião para o dia 31 de outubro de 2012 para discutir a condição de atingidos e a compensação financeira. Sobre a diminuição dos peixes e os prejuízos financeiros dos pescadores, a Norte Energia negou que haja impactos sobre o setor e sobre a ictiofauna – neste momento, um pescador denunciou que trabalhou 17 dias para a empresa Biota e que presenciou a morte de mais de 500 kilos de peixe em apenas uma ensecadeira, o que não teria sido comunicado ao IBAMA. Ficou encaminhado que será feita uma auditoria conjunta com os pescadores, técnicos indicados pelos pescadores, técnico do IBAMA, e técnicos da Norte Energia nos locais onde a pesca está sendo afetada pela obra, para verificação dos impactos, no dia 07 de novembro de 2012. Durante a vistoria, será estipulado o prazo da entrega do relatório. Sobre a compensação financeira para garantir da continuidade do trabalho dos pescadores e pilotos de voadeira, já que o rio de onde tiram a subsistência não mais oferece condições de trabalho, ficou definido que tal questão será tratada a partir das reuniões do dia 31 de outubro de 2012 com os pilotos de voadeira, e da vistoria conjunta dos pescadores com a Norte Energia, que subsidiará esta discussão. |
quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O quadro da saúde indígena na região impactada pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte é no mínimo diferente do anunciado pelo governo federal e Consórcio Norte Energia S/A (Nesa) como parte dos argumentos para justificar o mega projeto. Na mesma proporção, as tais condicionantes que resolveriam os problemas dos insistentes opositores à obra ainda estão apenas no papel.
Até o momento da publicação desta matéria, a condicionante de reestruturação do atendimento à saúde indígena pelo Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena (DSEI) em Altamira, imposta à Licença Prévia de Instalação da usina em 1º de fevereiro de 2010, não tinha sido cumprida pela Nesa. Tampouco a construção de um hospital de 100 leitos para desafogar as estruturas de atendimento médico em funcionamento.
Em meio a mais um episódio de resistência à construção do empreendimento, com a atual ocupação da ensecadeira do canteiro de obras Pimental por cerca de 120 pescadores e indígenas, os fatos trazem à tona uma realidade que não aparece nos televisores que as usinas hidrelétricas mantêm ligados Brasil afora.
“Total abandono da nossa saúde. Existem índios que entram lá na Casai e saem piores. É uma reivindicação nossa que trazemos aqui para a ocupação da ensecadeira. Por parte das autoridades, se eles têm como manter ambulância e enfermeiro aqui (canteiro de obras), por que não lá em Altamira?”, questiona Leo Xipaia, da aldeia Cujubim, às margens do rio Iriri, cujas águas correm para o rio Xingu.
Ca(o)sai
A Casai é uma estrutura de passagem. Os indígenas convalescentes de tratamentos e atendimentos médicos usam o espaço para recuperação antes do retorno à comunidade. Algumas terras indígenas ficam a 10, 15 dias de barco do cais de Altamira, rio Xingu adentro. A estada na Casai, de uns anos para cá, passou a ser quase impossível. Com capacidade para atender simultaneamente 80 indígenas, a casa acolhe cerca de 200.
“A Casa do Índio está lotada e essa superlotação é por conta de Belo Monte, sem dúvida. Estou em Altamira há 20 anos e nunca foi assim. Isso aqui virou um inferno. O discurso deles (governo federal e Norte Energia) é bonito, mas na prática... na prática vivenciamos uma tragédia”, explica o vice-presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena de Altamira, Wiliam Xakriabá.

“Aqui (sede retratada nas fotos) melhorou muito, para se ter uma ideia da situação em que nos encontramos. Antes estava pior. Esperamos que até o dia 15 de março do ano que vem a sede própria, em construção, seja inaugurada. Lá teremos um espaço adequado, digno. Porém, inauguraremos com superlotação”, diz Wiliam.
O vice-presidente do Conselho Distrital de Saúde faz as contas: a nova estrutura terá condições de comportar o dobro da capacidade atual, ou seja, 160 indígenas. Porém, ainda sem o impacto da usina ter sido absoluto, 200 homens, mulheres e crianças acabam precisando utilizar a Casai.
“Estamos aguardando de forma ansiosa uma estrutura que chegará esgotada. É um projeto antigo o da sede própria, com recursos do Ministério da Saúde, mas que infelizmente o desenvolvimento dessa usina está matando. Fazemos tudo o que podemos, mas lutamos contra um inimigo muito poderoso”, lamenta Wiliam.
Condicionantes: letra morta
“Falta muita coisa e a saúde indígena está péssima. Sobretudo na cidade. Malária, diarreia, maus tratos na Casa de Saúde. Nosso povo vai se acabar todo se continuar assim de construir usina, não melhorar a saúde”, afirma Joaquim Lopes Kuruaia, que vive com sua comunidade às margens do rio Iriri.
De acordo com o indígena, a Nesa não cumpre as condicionantes na parte da saúde indígena. O consórcio limitou-se a fornecer materiais para campanha contra a malária, que não focou apenas os povos indígenas. Wiliam conta que há tempos o Conselho Distrital está com um projeto emergencial para a saúde e a Nesa o transformou em parte do Programa Básico Ambiental (PBA).
Para acertar, o consórcio impôs que nos primeiros 18 meses o projeto abarcará apenas as comunidades da Volta Grande do Xingu e Bacajá. Wiliam é taxativo quanto à proposta da Nesa: “É um absurdo. A usina está afetando a todos. Não concordamos também porque saúde pública tem que ser para todos, não para uma ou duas comunidades”.
Além de interferir de forma negativa nos projetos desenvolvidos pelo Conselho Distrital e não cumprir as condicionantes indígenas, conforme relatam as lideranças, o consórcio também ainda não construiu 100 leitos hospitalares necessários para desafogar ao menos um pouco os centros de saúde em funcionamento. Dessa forma, os indígenas não conseguem atendimento, vagas em leitos de internação, os resultados dos exames demoram a sair. Tudo isso faz com que a permanência na Casai seja mais demorada.

O aumento das doenças é motivo de destacada preocupação entre os conselheiros distritais. Por enquanto as moléstias não possuem grande gravidade, conforme o vice-presidente. São diarreias, infecções respiratórias, mas que demandam cuidados especiais e medidas mais abrangentes de políticas públicas. No entanto, Wiliam é seguro ao afirmar que as cestas básicas e o alto fluxo de recursos despejados sobre os indígenas para dissuadi-los de contrapor Belo Monte trarão consequências danosas.
“Muito alimento industrializado, refrigerantes. São doenças (câncer, diabetes, coração) que aparecem de forma silenciosa, aos poucos, mas que não ocorreriam se os parentes pudessem viver da terra, da pesca. Sem contar o lixo produzido, que fica na aldeia, foco de doenças”, analisa Wiliam Xakriabá. Para ele, com mais dinheiro, os indígenas aumentam o consumo de álcool, alavancado por uma maior presença na cidade e, assim, fechando o ciclo, nas dependências da Casai.
O que se esperava
Desde o início, apesar da postura contrária à construção de Belo Monte, os conselheiros esperavam investimentos em estrutura hospitalar, veículos e voadeiras (embarcações velozes) para locomoção de pacientes, sendo tudo isso parte da reestruturação do DSEI de Altamira. Nada aconteceu e a situação piora a cada dia.
“Esse pessoal (Nesa e governo federal) quer mesmo é fazer barragens, ferrar conosco e ir embora. Ninguém se importa, seja o governo, a Funai (Fundação Nacional do Índio). Essa história não vai terminar bem. Espero que tenha um remédio, mas não sei... é impossível medir o quanto a região ficou ruim. Talvez quem mora aqui há anos pode ter essa noção. Agora eu tenho para mim que muita coisa não será cumprida (pela Nesa e governo federal)”, encerra.
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Belo Monte abre caminho para garimpo bilionário no Rio Xingu
A hidrelétrica de Belo Monte vai abrir caminho para um grande projeto de exploração de ouro na Volta Grande do Rio Xingu, o trecho que será mais impactado pela obra, com a perda de até 80% de sua vazão. A companhia Belo Sun Mining Corporation, com sede no Canadá, apresenta o empreendimento como o “maior projeto de ouro em desenvolvimento no Brasil”.
A previsão é de um investimento total de pouco mais de US$ 1 bilhão e de que, em 11 anos de operação, deverão ser produzidas 51,2 toneladas de ouro, uma média de 4,6 toneladas de ouro por ano.
O Ministério Público Federal (MPF) em Altamira (PA) já começou a investigar o projeto Belo Sun Mining, que está sendo licenciado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará (Sema).
O Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do projeto, no entanto, não leva em consideração a barragem e por isso não avalia os impactos cumulativos que um empreendimento desse porte poderá causar numa região sob severo dano ambiental.
A hidrelétrica só é mencionada na parte sobre fornecimento de energia, mas na verdade a mudança na vazão e no curso do rio vai viabilizar a implantação da mina pela Belo Sun Mining Corporation.
A procuradora da República Thais Santi questiona a realização de um empreendimento desse porte em uma área já fragilizada com a instalação da usina de Belo Monte, justamente a região que é afetada pelo desvio da vazão do Xingu para alimentar as turbinas da hidrelétrica.
O MPF questiona a ausência de informações sobre impactos aos indígenas na Volta Grande. Não há estudos e a Fundação Nacional do Índio (Funai) sequer foi consultada para o licenciamento.
O MPF solicitou ao Departamento Nacional de Produção Mineral informações sobre as licenças de exploração que a empresa Belo Sun Mining Corporation tenha na região do Xingu. De acordo com o site da empresa, trata-se de um empreendimento com sede no Canadá e “portfolio” no Brasil.
- Belo Sun Mining está pesquisando ouro ao longo dos cinturões mais ricos em minério no norte do Brasil, uma região com vasta riqueza mineral e uma indústria mineradora vibrante e moderna. O Brasil tem uma indústria de mineração de importância mundial com um potencial de exploração considerável. O Brasil também tem clima político favorável, com um código de mineração recentemente modernizado e, apesar destas condições geológicas, permanece largamente inexplorado – diz o site da empresa na internet.
A companhia informa que detém os direitos de pesquisa e lavra em uma área de 1.305 quilômetros quadrados que é conhecida pela mineração artesanal. É uma das preocupações do MPF, já que, de acordo com os moradores das ilhas da Volta Grande do Xingu, eles ainda detém os direitos de lavra na região.
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
Belo Monte é a forma de viabilizar definitivamente a mineração em terras indígenas
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Desenho do projeto Volta Grande em que foi omitida a TI Arara da Volta Grande |
TERÇA, 11 DE SETEMBRO DE 2012
Como se viabiliza a maior exploração de ouro da história da Amazônia, aproveitando a implantação de empreendimentos hidrelétricos. Isso já está acontecendo no Xingu. Na região do Tapajós, Província Mineral do Tapajós, já há mais de uma dezena de projetos de mineração de ouro de grande porte, em processo de licenciamento, tocados por duas empresas canandenses. Enquanto a sociedade está envolvida nas preocupações e resistências contra os impactos que os empreendimentos hidrelétricos causarão, empresas transnacionais se apoderam de grandes nacos de terra, ajudados por sócios brasileiros.
Pode-se começar essa história ainda no Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) de Belo Monte no capítulo que fala dos direitos minerários na região da Volta Grande do Xingu. Nele consta que há 18 empresas, entre elas a Companhia Vale do Rio Doce (requerimento para mineração de ouro), com requerimento para pesquisa, 7 empresas com autorização de pesquisa e uma empresa com concessão de lavra (CVRD, concessão para extração de estanho) na região onde estão construindo Belo Monte.
Independente das regras que norteiam o setor de mineração em vigor ainda hoje no Brasil, o governo pretende autorizar a extração de minérios — ouro e diamantes, principalmente — em terras indígenas (1). Nos últimos anos houve uma seqüência de descobertas de jazidas de bauxita, caulim, manganês, ouro, cassiterita, cobre, níquel, nióbio, urânio, entre outros minerais mais nobres, em toda essa região do rio Xingu. Fica nítido quando se olha para os mapas de direitos minerários apresentados nos estudos dos projetos Belo Monte, Complexo Teles Pires e Complexo Tapajós.
Estrategistas militares defendem há décadas o domínio do Brasil sobre as jazidas e sua exploração para evitar que Terras Indígenas se tornem territórios fechados e inacessíveis, o que impediria a exploração, a exemplo do que acontece hoje com a Reserva Ianomami (2). Nas terras indígenas da região do Xingu próximas aos canteiros de obras da UHE Belo Monte estão concentrados pedidos de autorizações de pesquisa e lavra de minerais nobres, como ouro, diamante, nióbio, cobre, fósforo, fosfato.
Direitos minerários na região da Volta Grande do Xingu |
A implantação do projeto da hidrelétrica Belo Monte é a forma de viabilizar definitivamente a mineração em terras indígenas (3) e em áreas que as circundam, em particular na Volta Grande, trecho de mais de 100 quilômetros que vai praticamente secar com o desvio das águas do Xingu. E é justamente nas proximidades do barramento principal, no sítio Pimental, que está sendo montado o maior projeto de exploração de ouro do Brasil, que vai aproveitar o fato de que a Volta Grande ficará seca por meses a fio com o desvio das águas do rio Xingu.
Há mais de dois meses está disponível na Internet o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto Volta Grande da empresa canadense Belo Sun Mining Corp., de junho de 2012. O estudo defende as vantagens de se fazer uma operação de lavra a céu aberto para beneficiamento de minério de ouro com "tecnologia e equipamentos de ponta, similares a outros projetos no estado do Pará".
Algumas pérolas podem ser encontradas no RIMA do Projeto Volta Grande como: "os Planos de Desenvolvimento do Governo Federal e do Governo do Pará, para a região do Projeto Volta Grande, apontam a necessidade de investimentos em infraestrutura, educação básica, saúde e outros aspectos que permitam melhorar os indicadores de desenvolvimento social e econômico da região, e promover a melhoria da qualidade de vida de suas populações, de forma mais igualitária e sustentável".
Funcionários da empresa canadense conhecendo território onde pretendem extrair ouro |
Incrível como, além das hidrelétricas, os projetos de mineração, na visão do governo federal e do governo do Pará, também se tornaram a panaceia para solucionar todos os problemas não resolvidos de desenvolvimento social. Papel que seria obrigação do Estado, com o dinheiro dos impostos pago pelos cidadãos de bem.
Ainda, segundo o estudo apresentado pela Belo Sun Mining Corp., o investimento total no projeto de mineração de ouro da Volta Grande será de US$ 1.076.724.000,00, que pretende, como "brinde", propiciar controle e monitoramento ambiental e social e colaboração para a realização do desenvolvimento social, econômico e ambiental daquela região. A vida útil do projeto foi estimada em 12 anos de acordo com as pesquisas já efetuadas.
Não é uma maravilha?
Mas no RIMA (a reportagem teve acesso ainda ao EIA) faltaram alguns esclarecimentos: não há menção aos índígenas da região, nem ao fato de que as obras de Belo Monte facilitarão o projeto Volta Grande e nem por que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará está licenciando o empreendimento, quando deveria ser o Ibama. São 106 processos de licenciamento de mineração – ouro, bauxita, diamante, cassiterita, manganês, ferro, cobre, areia, granito – no site do Ibama, dos quais 30 são no estado do Pará. Então, por que esse licenciamento escapou da análise dos técnicos do Ibama?
Os impactos ambientais do projeto da Belo Sun Mining sobre a biodiversidade vão atingir principalmente a qualidade das águas superficiais e subterrâneas - assoreamento dos cursos d'água -, o que acrescenta à região mais um agravante para aumentar o prejuízo das comunidades indígenas da Volta Grande e do rio Bacajá, já às voltas com impactos semelhantes decorrentes das obras de Belo Monte. Sem contar o precedente que vai escancarar as portas para exploração de outras jazidas. (Ver mapa abaixo)
Os índios isolados na área do projeto da Belo Sun Mining
A presença de indígenas em isolamento voluntário na região dos rios Xingu e Bacajá está descrita desde a década de 1970 (4). Há estudos e testemunhos que comprovam sua presença nas cabeceiras do Igarapé Ipiaçava e de um grupo isolado (ou grupos isolados) na Terra Indígena (TI) Koatinemo. Testemunhos colhidos em 2008 confirmaram a presença de indígenas em isolamento voluntário. Os Asurini relataram seu encontro com isolados, depois de uma expedição de caça na cabeceira do Igarapé Ipiaçava.
O projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp está em parte nas áreas de perambulação desses grupos em isolamento voluntário. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte, Componente Indígena, reconheceu a presença de indígenas em isolamento voluntário na cabeceira do córrego Igarapé Ipiaçava e na Terra Indígena Koatinemo dos Asurini (5). Em Parecer Técnico, a Funai (6) fez referência aos impactos (7) que poderiam afetar os indígenas em isolamento voluntário, observando que a ação de grileiros e invasores vai ameaçar sua integridade física e cultural.
O parecer da Funai ainda alerta para o fato de que o desvio das águas e a redução da vazão do rio Xingu no trecho da Volta Grande pode gerar efeitos em cadeia sobre a ictiofauna nas florestas marginais ou inundáveis; o movimento migratório vai criar aumento populacional na região e provocar pressão sobre os recursos naturais; essa pressão levará às invasões das terras indígenas onde perambulam os grupos de indígenas em isolamento voluntário (8).
Área (em vermelho) do projeto Volta Grande que avança sobre o rio Bacajá |
A Funai também propôs que antes do leilão de compra de energia de Belo Monte, ocorrido em 20 de abril de 2010, o poder público deveria coordenar e articular ações para a proteção dos indígenas em isolamento voluntário. Para isso era preciso publicar uma Portaria de Restrição (9) de Uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo.
Em 11 de janeiro de 2011, finalmente, a Funai conseguiu publicar a Portaria de Restrição nº 38, que estabeleceu restrição ao direito de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas aos quadros da Funai na área descrita, pelo prazo de dois (02) anos a contar de sua publicação. A área descrita na Portaria, Terra Indígena Ituna/ Itatá, está localizada nos municípios de Altamira,Senador José Porfírio e Anapu, estado do Pará, tem superfície aproximada de 137.765 hectares (ha) e perímetro aproximado de 207,2 km. (Ver mapa)
Círculo vermelho maior é a região objeto da Portaria nº38 da Funai |
O projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp. está sendo implantado no município de Senador José Porfírio, na área da Portaria nº 38 da Funai, que visou proteger os grupos de isolados. Em conversa sobre a Portaria, válida até dezembro de 2012, com um funcionário da Funai que não quis ser identificado nesta matéria, ele me disse que até o final do ano tem que escrever uma nova justificativa para sua reedição e para isso precisam de mais informações sobre o projeto Volta Grande e outros previstos na região. Ainda, segundo ele, existem depoimentos mais recentes sobre a presença dos índios isolados e a Funai está tratando a região da Portaria nº38 como prioridade. A Funai tem tido muitas dificuldades, feito muitas investidas na área e os estudos estão andando, com seis expedições realizadas no último ano, concluiu.
A Audiência Pública para "apresentar" o projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp. para a sociedade está marcada para o próximo dia 13 de setembro.
Belo Sun Mining Corp.
A empresa responsável, aqui no Brasil, pelo Projeto Volta Grande é a Belo Sun Mineração Ltda., subsidiária brasileira da empresa canadense Belo Sun Mining Corporation, que pertence ao grupo Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado voltado para projetos de mineração em todo o mundo.
Em azul, permissões já concedidas para exploração de ouro na divisa com a TI Arara da Volta Grande |
A Belo Sun Mining Corp. foi lançada na Bolsa de Valores de Toronto, em 30 de abril de 2012, em ritmo de festa e comemoração. No seu site atualizadíssimo, a empresa não esconde suas pretensões de exploração mineral na Amazônia e que tem um portfólio de propriedades no Brasil. O foco principal da Belo Sun é explorar a mineração numa área que, afirma, é 100% de sua propriedade e que tem ouro estimado em aproximadamente 2,85 milhões de onças.
Quando se lê os diversos documentos dá para entender tanto entusiasmo e como o projeto Volta Grande se tornou a menina dos olhos da Belo Sun, pois controla os direitos de mineração e exploração de 130.541 hectares (1.305 km ²). Como isso foi possível ainda é preciso investigar, pois durante algum tempo as equipes da companhia têm atuado na Volta Grande do Xingu, sem disfarces, realizando perfurações e tocando, na Secretaria Estadual de Meio Ambiente do estado do Pará, o processo de licenciamento ambiental. O farto material fotográfico disponibilizado no site dá uma desagradável sensação de que muito poder está por trás desse bilionário negócio.
Diretores e administradores da Belo Sun Mining Corp. |
Outro projeto, Patrocínio, na região do Tapajós, também da Belo Sun Mining Corp., está sendo desenvolvido e merece um capítulo à parte.
Embora a empresa tenha informado nos estudos ambientais que se trata de explorar uma jazida próxima à superfície, em condições geológicas favoráveis, com extração a céu aberto, no site ela faz referência à existência de um potencial de alta qualidade em profundidades de pelo menos 200 metros ou 300 metros abaixo da superfície. Parece que nada está sendo descartado no projeto e que a construção da barragem principal de Belo Monte, no sítio Pimental, para desviar o rio Xingu justamente no trecho da Volta Grande, vai beneficiar a extração do ouro em grandes profundidades.
Outro detalhe que chamou a atenção sobre a Belo Sun Mining Corp. é que, nos documentos disponibilizados agora neste mês (setembro), a referência à companhia foi alterada e o símbolo, na estrutura do capital da empresa, está representado como TSX: BSX. Em uma nota de 2011, o Brasil Econômico conta sobre a Belo Sun e a extração de 4 milhões de onças troy (barra de 31,1 gramas) em Altamira, no Pará, e dá o empresário Eike Batista como potencial investidor devido à ligação dele com o a região, onde explorou ouro entre 1980 e 1990.
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Os dois principais projetos de mineração de ouro da Belo Sun: Patrocínio (Tapajós) e Volta Grande (Xingu) |
Começa a fazer sentido. Talvez Eike Batista seja o grande investidor da Belo Sun Mining Ltda., subsidiária da Belo Sun Mining Corp.
A mineração no Brasil
Em maio de 2011, o governo divulgou o Plano Nacional de Mineração (PNM) 2030, com um objetivo mal explicado de que o setor mineral contribuiria com um Brasil sustentável. Palavras expressas na introdução feita pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.
A pretensão de apresentar uma visão de futuro calcada no desenvolvimento do setor mineral brasileiro com objetivo estratégico de sustentabilidade é, no mínimo, ofensiva. A justificativa que o PNM utiliza para antecipar a ideia de que haverá maior pressão no uso e ocupação do solo é que a demanda por bens minerais em países emergentes deverá crescer nas próximas décadas.
As áreas chamadas de Restrição Legal, que são as unidades de conservação, terras indígenas, as terras quilombolas, áreas destinadas à reforma agrária, são consideradas uma espécie de entrave à expansão da atividade mineral. Um exemplo que é citado no PMN, como um intróito para conduzir o leitor a entender a necessidade de exploração de mineral em terras de restrição legal, é o Plano de Manejo, considerado como um verdadeiro obstáculo às práticas de "atividades econômicas".
As terras indígenas também são consideradas restritivas à atividade mineral, pois impedem que mais de 25% da Amazônia Legal e 12% do território nacional sejam exploradas. O artigo 231, § 3º, da Constituição Federal de 1988 é entendido como passível de regulamentação, pois prevê que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas se dêem após aprovação do Congresso Nacional, desde que as comunidades afetadas sejam ouvidas, assegurando-lhes participação no resultado de lavra. Como a lei não foi regulamentada, o PNM lhe atribui um quê de inconveniência para a concretização dos planos de mineração ali contidos.
Regulamentar o Artigo 231 da Constituição Federal torna-se, então, no PNM, um desafio para que no futuro se possa disciplinar a relação entre a atividade minerária e as comunidades indígenas. A articulação pressupõe uma melhoria no conhecimento geológico do Brasil para facilitar a identificação de novas jazidas e, o que é pior, a maior autonomia do Estado até para a oferta de insumos minerais para o setor agropecuário. Sem nenhum resquício de pudor, o PNM expõe o objetivo claro de obter, com a regulamentação, a permissão de "abertura de minas em terras indígenas", que "também amplia o escopo de atuação do setor (minerário) na região Norte".
Não é de se surpreender que até um papel estratégico para a conservação das florestas foi atribuído ao setor mineral, sem sequer um esclarecimento de como isso se daria em plena Amazônia. À exploração de urânio também é concedida uma colocação de arrepiar, considerada como uso preferencial de produção de energia que reduz os gases de efeito estufa. Exploração essa na Amazônia, subentende-se, e em terras indígenas e unidades de conservação!
A mineração na Amazônia passa a ser destacada como a atual fronteira da expansão mineral, encarada com verdadeiro otimismo no texto, dado o florescimento dos grandes empreendimentos já em curso desde o século XX. São citados todos os projetos cujos impactos se conhecem largamente, como a lavra de bauxita de Juruti, no Pará; a lavra de manganês da Serra do Navio (AP); de bauxita do rio Trombetas, Paragominas; de estanho de Pitinga (AM) e de Rondônia; de ferro, manganês, cobre e níquel de Carajás (PA); de caulim do Jari (AP) e da bacia do rio Capim (PA); de alumina e alumínio de Barcarena (PA); de escoamento de ferro-gusa pela ferrovia de Carajás.
Todo o plano nos leva a antever um grande e único processo de exploração mineral na Amazônia, já precedidos da destruição imposta pelos projetos hidrelétricos e hidrovias. A exploração do grande potencial mineral identificado na Amazônia, especialmente em terras indígenas, está, pelo menos no papel e no Congresso Nacional, em curso, bem pontuada nos planos do governo federal com projetos significativos para facilitar o conhecimento geológico do Brasil.
Na região amazônica, 5% da área que deverá ser estudada para aumentar o conhecimento geológico correspondem a terras indígenas e o documento estabeleceu diretrizes para mineração em áreas com restrições legais. Entre elas, o conhecimento do subsolo para tomada de decisão que se adeque aos "interessese nacionais, regionais ou locais." O que isso quer dizer, na prática, é que, apesar de a definição de acesso e uso das terras indígenas estar bem clara na Constituição de 1988, uma agenda de entendimentos vai propiciar a regulamentação em tramitação no Congresso e, assim, viabilizar a mineração em terras indígenas e quilombolas. Tudo em nome do interesse nacional.
O PNM propõe duas ações com relação às áreas com restrições legais, para aparar as arestas que travam o desenvolvimento da atividade minerária: uma é articular com órgãos de usos e ocupações do solo restritivos à atividade mineral, que seriam o meio ambiente, terras indígenas e de quilombolas, áreas para reforma agrária, sítios arqueológicos e fossilíferos, entre outros; e a outra é apoiar a aprovação de lei que regulamente o aproveitamento dos bens minerais nas terras indígenas, segundo dispõe o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988.
O Projeto de Lei da mineração
É da competência exclusiva do Congresso Nacional "autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais", Art. 49, inciso XVI, da Constituição Federal (CF). As riquezas minerais são sempre de interesse nacional e econômico, mas, no que diz respeito à preservação dos interesses das populações indígenas, há uma grande distância.
Está tramitando no Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) 1610/96 que pretende regulamentar a exploração de recursos minerais em terras indígenas e que sofre uma grande pressão para que seja aprovado ainda este ano. Uma comitiva de deputados da Comissão Especial de Mineração em Terras Indígenas foi à Austrália para ver como é que fazem por lá, para que os indígenas aceitem a mineração em suas terras. Foram estudar a legislação, contratos, royalties e a regulação do sistema de exploração mineral em áreas indígenas, além-mar, para elaborar um parecer ao PL 1610.
O marco regulatório e o novo código da mineração
Em 2011, o Ministério de Minas e Energia resolveu lançar a discussão do novo Marco Legal da mineração brasileira, fez um diagnóstico onde apontou burocracia e uma certa "fraqueza" do poder concedente como as principais dificuldades que atingem o setor. Entre os objetivos propostos para o novo Marco Legal estão o fortalecimento do Estado para ter soberania sobre os recursos minerais, propiciar o maior aproveitamento das jazidas e atrair investimentos para o setor mineral. Tudo indica que os investidores já estão a postos.
Lógico que, no pacote do novo Marco Legal da mineração brasileira, o MME aproveitou para criar o Conselho Nacional de Política Mineral e a Agência Nacional de Mineração (ANM), que, provavelmente, serão preenchidos com a nomeação de pessoas em cargos de confiança. Isso já acontece, por exemplo, com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), subordinada diretamente ao MME.
As propostas do governo Dilma Rousseff, para alterar o Código de Mineração, que é de 1967, e criar a Agência Nacional de Mineração, serão examinadas pelo Congresso Nacional a partir deste mês de setembro. A principal mudança no Código de Mineração será que o governo passará a leiloar o direito de exploração que, atualmente, é conferido por ordem de chegada.
Todas essas alterações previstas no setor mineral no Brasil, no entanto, não vão alterar em nada as licenças para pesquisa e exploração de novas jazidas já concedidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, recentemente anunciou que as autorizações novas estariam suspensas até que o novo Codigo de Mineração seja aprovado pelo Congresso. Qualquer processo em tramitação e não concluído no DNPM, portanto, ainda segundo o ministro, perderiam a validade e as jazidas seriam futuramente leiloadas de acordo com as novas normas.
Para se ter uma ideia do tamanho do filão minerário no Brasil localizado principalmente na Amazônia, são mais de 5 mil alvarás de pesquisa e 55 portarias de lavra que estão em processo de aprovação no DNPM. Lógico que a gritaria é grande por parte das mineradoras que estão na fila de espera, especialmente quando elas levam em conta que a Compensação Financeira pela Exporação de Recursos Minerais (CFEM) vai passar de 0,2% para até 6%. Mas, para o Ministério de Minas e Energia, tocado por Edison Lobão, sob a chefia de José Sarney, a aprovação do Código da Mineração aumenta ainda mais o seu poder, passando a ser so controlador direto dos leilões de concessões, como o da energia.
Essa é uma herança do governo Lula desde 2010 que Dilma Rousseff agora está tocando com celeridade.
Esse resumo sobre as tramitações que envolvem as alterações no setor de mineração serve para esclarecer o porquê de grandes empresas internacionais estarem ao mesmo tempo "atacando" as principais regiões onde estão as maiores riquezas minerais no Brasil. Uma delas é onde está sendo construída a hidrelétrica Belo Monte, na Volta Grande do Xingu; uma outra é na Província Mineral do Tapajós, justamente onde o governo planeja a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós. Coincidência ou não, as empresas são canadenses e têm vários projetos para exploração de ouro nessas áreas.
Notas:
1) Governo quer mineração em áreas indígenas da Amazônia; disponível emhttp://www.amazonianet.org.br/index.php?system=news&news_id=652&action=read.
2) Idem acima.
3) Exploração de minérios em terras indígenas é tema polêmico , 26/09/10, disponível em:http://www.observatorioeco.com.br/index.php/exploracao-de-minerios-em-terras-indigenas-e-tema-polemico/
4) AHE Belo Monte Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), páginas 103/111/113. Componente Indígena PROCESSO IBAMA n° 02001.001848/2006-75, abril de 2009.
5) Idem, p. 103
6) UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI.
7) Parte 4 – Avaliação Geral dos Impactos Socioambientais nas Populações Indígenas, p. 87.
8) “A continuidade e possível intensificação dessa ocupação por não-índios colocará em risco a integridade física dos grupos isolados, sendo necessária a interdição da área e as devidas ações de fiscalização. Em setembro de 2009 a Funai enviou outra expedição para a região com o mesmo objetivo de identificar a presença dos isolados, mas ainda não obtivemos as informações com os resultados dessa nova tentativa.” p. 86, UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer Técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI.
9) “1) Medidas ligadas ao Poder Público, a serem implementadas em diferentes etapas: a) Ações até o leilão: 3. Publicação de portaria para restrição de uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo, para proteção de índios isolados”; UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI, ps. 95/96.
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