sexta-feira, 19 de agosto de 2011

. MANIFESTO CWB EM DEFESA DO XINGU . PARE BELO MONTE .



MANIFESTO CWB EM DEFESA DO XINGU

Um rio flui pela densa floresta. Suas águas em movimento deslizam pelo solo, nutrindo a exuberância da vida em suas infinitas formas: microrganismos ainda não descobertos; uma vasta diversidade de seres coloridos e intrigantes; o imensurável potencial medicinal de plantas sequer catalogadas, árvores milenares que se erguem soberanas através da paisagem. Os povos originários de Pindorama – que hoje chamamos Brasil - compreendiam muito bem os ciclos desta natureza sagrada, pois quando aqui chegaram os invasores estrangeiros, encontraram seres humanos em completa simbiose com o meio-ambiente. Os povos originários desconheciam a doença, a fome, a miséria: simplesmente porque respeitavam uns aos outros e à natureza provedora. Sua forma de existir tem como conceito fiducial a manutenção da vida humana em comunhão com a natureza.
A compreensão deste modo harmônico e sustentável de vida leva-nos a uma reflexão sobre a principal diferença entre uma floresta e a cidade. Muito embora possamos relatar a diferença na qualidade do ar, do solo e da água; ou o conforto ambiental proporcionado pelo verde preservado; a mais evidente distinção é o fato de que na floresta infinitas espécies coexistem de maneira harmoniosa. Já na estrutura moderna urbana a espécie humana subjuga e suprime a pluralidade da vida em favor de um modo único de ocupação. Este modo de ocupação é comprovadamente dependente de recursos naturais para sua existência. As demandas urbanas são crescentes – sendo que o capitalismo e a lógica do lucro vêm exponencializando a velocidade da exploração, de modo que os ecossistemas não contam com o tempo que precisam para se reconstituírem. O crescimento débil e irresponsável dos centros urbanos retira materiais da natureza de maneira excessiva e predatória.
Um rio livre flui pela densa floresta. A floresta é a Amazônica, o rio é o Xingu. Significando água boa ou água limpa, Xingu é o fundamento de um modo de vida. Os povos originários indígenas, assim como os descendentes da miscigenação – pescadores, ribeirinhos, comunidades tradicionais, enfim, habitantes da região, estabeleceram em suas margens a base de uma vida simples e sustentável, em contato com a água limpa na qual as crianças brincam e crescem livres. Ali o tempo conta-se pela estação das chuvas e a estação da seca. A vida se renova, os ciclos sagrados da existência perpetuam-se, o rio caudaloso e livre nutre a floresta e presenteia os povos com seus frutos, regula o equilíbrio hídrico do planeta, presenteando o mundo com suas chuvas.
Esta visão de miríade, que deveria servir de exemplo para a sociedade moderna capitalista buscar uma maneira equilibrada de existir e de se propagar está sendo ameaçada por uma obra de engenharia. A obra foi primeiramente concebida nos tempos da ditadura – fato que, no mínimo, nos leva a questionamentos acerca da sua atualização tecnológica; haja vista o tempo decorrido desde sua primeira concepção. Os engenheiros alegam ter trabalhado em melhorias no projeto, diminuindo as dimensões do lago. Mas estamos questionando a própria legitimidade de uma obra que é socialmente desastrosa –
impactante – povos locais, fauna e flora serão irreversivelmente afetados; poluidora – os lagos hidrelétricos emitem um gás de efeito estufa, o metano, vinte e cinco vezes mais impactante para o aquecimento global que o gás carbônico; inviável financeiramente – o custo da obra não é um consenso, variando de 17 a 40 bilhões de reais, podendo inclusive ultrapassar este valor a partir de aditivos contratuais; politicamente incorreta – mais de 40 especialistas constataram que o Estudo de Impacto Ambiental é uma farsa e técnicos do IBAMA chegaram a pedir exoneração dos cargos pois não queriam assinar a “Licensa Prévia” considerando o documento criminoso - ; ilegal - irá deslocar pessoas contra sua vontade – entre elas comunidades tradicionais e cerca de 24 etnias indígenas que vivem em seus locais sagrados, preservando a cultura ancestral deste país cujo valor é inestimável.
Além de atropelar a decisão dos habitantes locais e de grande parte da sociedade civil organizada, que atualmente apoia a causa dos povos do Xingu, o governo brasileiro ultrapassa todos os limites legais para levar esta obra megalomaníaca de conceito ultrapassado justamente ao coração da Amazônia. Mais de dez ações do Ministério Público Federal e de ONG estão tramitando na Justiça Federal. Ainda, o processo de licenciamento não foi concluído – este processo conta com várias condicionantes sociais e ambientais que devem ser respeitadas antes a emissão de uma autorização. As oitivas (audiências para ouvir a opinião das pessoas) com os povos indígenas ou não foram realizadas ou aconteceram de forma superficial, sem conferir condições reais de participação aos populares; dado que existe um forte movimento social local, nacional e global pela preservação do rio Xingu que se está expressando veementemente mundo afora. A resposta deles à pergunta é clara: Belo Monte não.
Assim sendo, a licença ambiental não foi formalizada, e o governo avança com os preparativos para o início da obra na completa ilegalidade. A licença parcial sequer existe legalmente e é inaceitável. As barragens vêm sempre acompanhadas de impactos ambientais e sociais profundos. Este cenário é típico do Brasil, cuja matriz energética tem sido, até o presente momento, fundamentada pelo potencial hidrelétrico do país. Existe um senso comum no Brasil de que a energia hidrelétrica é uma forma de geração ‘limpa’. Será mesmo? Dizem que precisamos da energia, mas, afinal o Brasil precisa mesmo de Belo Monte? Existem alternativas?
Para responder estas perguntas é preciso refletir sobre o modelo de construção material da existência: as formas de obtenção de materiais para a propagação humana e os fundamentos da engenharia moderna como um todo e principalmente – civil, mecânica, transportes e energética. Muito se fala sobre alternativas limpas e viáveis, mas pouca ênfase se confere à questão da eficiência energética, da autossuficiência da habitação ou de uma obra de reforma urbana. Até o presente momento a forma de ocupação tem sido desmatar e a partir da floresta morta, remanejar essa matéria natural em forma de cidades, máquinas; bem como a implantar vastas monoculturas para a subsistência das populações urbanas. É preciso repensar o paradigma de grandes estruturas produtoras de recursos para a transformação, a partir do subsídio público, da cidade em si mesma.
Esta inversão de centro de gravidade garante a possibilidade imediata de aplicação do recurso disponível para a preservação total dos remanescentes florestais planetários. A operação é muito simples: ao invés de construir grandes unidades geradoras, que são impactantes e dispendiosas, é preciso concentrar esforços em uma engenharia de recursos plurais e celulares, em que cada habitação é uma unidade produtora interligada à grande rede. Ora, são milhões, bilhões de moradias, que interligadas representam a maior usina produtora de energia do planeta sem remover uma só árvore. A verdade é que não precisamos de hidrelétricas: a solução está ao alcance dos olhos de todos em cada cidade: os topos dos prédios tem alta capacidade eólica; os vidros e telhados das casas são captadores perfeitos para a energia solar; ainda, os sistemas de hidráulicos da cidade tem potencial hidrelétrico e poderiam desempenhar esta função com simples adaptações nos tanques, vertedores e tubulações.
Se o lar segundo a norma já é concebido não só para prover a energia que utiliza, mas também para fornecer a energia para a rede orgânica local, a residência unifamiliar urbana típica torna-se peça geradora de água e eletricidade, a partir da captação pluvial, cinética, solar e eólica. Aprofundando a análise, o mecanismo de encanamento das casas tem potencial hidrelétrico que, somado gerará quantidade significativa de energia. Existem ainda possibilidades menos comentadas como: plantas vivas que geram energia; captação da energia das marés; captação da energia produzida pela rotação do planeta; captação da energia gerada nas pistas de automóveis; e até mesmo captação da energia gerada pelo movimento das pessoas em terminais, academias e afins. A principal questão não é qual tipo é o melhor, mas sim o quanto conseguimos diluir as tecnologias pelo cenário da urbe segundo suas especificidades e minimizar os impactos sempre.
A pluralidade em oposição aos meios únicos é a grande inversão promovida por uma engenharia verdadeiramente pós-moderna. A dependência é a imposição de um modernismo, uma caricatura do sonho moderno, que precisamos ultrapassar para tornar possível a continuidade da vida no planeta e sua evolução. A autossuficiência da residência, e da esfera orgânica à qual ela pertence é inteiramente possível a partir da aplicação do recurso público como subsídio para a resolução da matriz enérgica urbana a partir da reforma urbana subsidiada. Essa grande obra aconteceria em cada casa, promoveria as tecnologias de boa índole, a pesquisa de vanguarda tecnológico-ecológica assim como a criação de um espaço para soluções inéditas advindas a aplicação de recursos em pesquisa. Assim sendo, a chave de nossa resposta se encontra em cada lar. É preciso união para reivindicar democraticamente a preservação da floresta, de seus povos, da biodiversidade inestimável ali presentes em favor de uma reforma urbana. Resumindo: sim, existem alternativas e infindáveis; e não, não precisamos de Belo Monte.
Ora, então, é preciso pensar o porquê desta obra e da insistência por parte do governo em avançar, apesar de toda inviabilidade, oposição e resistência demonstrada. Historicamente as populações da Amazônia não são alvo prioritário dos projetos hidroelétricos brasileiro. Esta obra é fruto da insensatez do governo, que atendeu a pressão das empresas transnacionais e construtoras a ponto de utilizar os recursos do BNDES (80%), os fundos de pensão do Banco do Brasil e da Caixa Econômica e até títulos do Tesouro Nacional. Tudo isso para garantir a construção de um megaempreendimento que destruirá ecossistemas, a biodiversidade, apenas para produzir energia barata para as mineradoras e empresas privadas se apropriarem dos recursos naturais e aumentarem suas fortunas com recursos públicos da sociedade brasileira.
A energia gerada por Belo Monte interessa principalmente a indústria eletro intensiva como a de alumínio, que consome muita energia, tem tarifas subsidiadas e emprega poucas pessoas. É como exportar energia em forma de alumínio. Assim sendo, precisamos destruir uma floresta avaliada em quatrilhões de dólares (estudo do coordenador de sustentabilidade ambiental do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, José Aroudo Mota) para quê? No processo democrático a soberania do povo precisa ser respeitada, senão, o que estamos nos tornando?
Nós, do movimento CWB em defesa do Xingu, somos contra a destruição da Amazônia, portanto contra a disseminação de complexos hidrelétricos, mineradoras e afins na Bacia Amazônica. Dizemos sim ao rio Xingu Vivo e Livre e não a Belo Monte e aos demais empreendimentos de conceito ecológico ultrapassado que têm sido impostos à região. Sou do Paraná, onde a tecnologia hidrelétrica foi aplicada amplamente, e que é o estado responsável pela construção de Itaipu. É evidente o rastro de opressão aos povos indígenas e sua marginalização e quase invisibilidade social, bem como a destruição do Ecossistema Nativo para a implantação da "civilização" sob seus principais eixos de abastecimento - pasto, plantação, extração madeireira, mineração.
As razões contra Belo Monte são várias e têm sido apresentadas pelas mais diversas organizações. Nem é preciso refletir muito para se perceber que esta bacia hidrográfica representa um dos principais remanescentes naturais do planeta Terra. Logo, é preciso investir na preservação deste importantíssimo ecossistema, bem como na preservação de seus povos ancestrais. Cito:

“A Amazônia continental é a última grande superfície contínua de florestas tropicais do planeta. Com seus 7,9 milhões de Km², a Amazônia continental representa 5% da superfície terrestre do globo. A Amazônia continental representa mais de 60% do que sobra das florestas tropicais do planeta Terra. A Bacia Amazônica representa 1/5 da água derramada no oceano por todos os rios do planeta. O rio Amazonas tem mais de 7 mil afluentes, e possui 25 mil Km de vias navegáveis. A Bacia Amazônica cobre 3,89 milhões de Km² no território brasileiro, ou seja, 45% do país. A Amazônia representa a maior biodiversidade do planeta. Ela abriga cerca de 25% das espécies vegetais e animais do mundo. Existem mais espécies vegetais em 1 hectare de floresta do médio Amazonas que em todo o conjunto do território europeu. Na Amazônia, o crescimento médio de uma árvore é seis vezes mais rápido do que uma árvore na Europa. Existem aproximadamente 50.000 espécies de plantas das quais, 5.000 espécies de árvores tem diâmetro maior que 15cm (na América do Norte não existem mais do que 650). Numa superfície de 100 hectares, botânicos identificaram 1.652 espécies vegetais das quais, 100 são totalmente novas para a ciência e das quais, 20 não foram nomeadas nem pela população local. 2/3 das espécies de lagartos da Amazônia só existem na Amazônia. Existem 311 espécies de mamíferos na Amazônia, ou seja, 7% do total mundial.
Aproximadamente 1.000 espécies de pássaros, ou seja, 11% do total mundial (3º lugar no mundo). A Bacia Amazônica é um santuário de peixes que agrupa 1.400 espécies identificadas, o que representa 25% das espécies de peixes do mundo.”
(fonte: http://www.amazoniabrasil.org.br/pt/amazonasnoplaneta_c.htm)
Percebemos que no mundo inteiro propagam-se notícias acerca de grandes empreendimentos avançando ainda mais suas fronteiras de destruição em terras indígenas ou dos povos nativos. Isto é um absurdo. Estes povos já foram historicamente saqueados, minorizados, marginalizados. É tempo dos cidadãos da terra levantarem-se contra tal prática lastimável. Sentimo-nos ultrajados intelectualmente pelos nossos governantes, pelas suas ações e seus discursos vazios. Somos ultrajados diariamente perante práticas sociais de devastação e irresponsabilidade para com as futuras gerações.

A sociedade festeja cada novo pequeno/a cidadã/ão com: a isenção de um futuro possível? Com um punhado de lixo nuclear? Que práticas são essas? Será que amamos realmente os descendentes, filhos, netos, vidas? Ou os vícios sociais são tudo o que conhecemos? Que ciência ignóbil é essa que tem privado a vida de tudo, desde o direito ao ar respirável até a excelência natural dos alimentos que ingerimos, quando neles interfere, tornando-os prejudiciais à saúde? Quem se está enganando? O quê se está fazendo? Quem se está matando? A negação à Belo Monte simboliza algo muito maior: o crescente desprezo social por um conjunto de práticas nocivas à vida neste planeta. Para calar as vozes cidadãs as governanças se têm servido de intimidações, violências: historicamente crimes têm sido e estão sendo cometidos contra os povos ao redor do globo. Esta é a história acontecendo hoje. É tempo de mudar. A humanidade demanda libertação.

Qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade ecológica perceberá que a construção de hidrelétricas na Bacia Amazônica - ainda, com autoprodutores ligados a práticas agressivas e destrutivas como a mineração - consiste em flagrante retrocesso e não progresso. O programa de aceleração do crescimento nunca será interessante se atropelar a opinião dos proprietários da terra, ou da sociedade civil engajada, se destruir a cultura ancestral que permanece viva apesar de todos os crimes históricos contra ela cometidos. Somos cidadãos brasileiros e queremos um Brasil limpo, com seus povos originais, floresta, águas, fauna e flora preservadas; investindo em novas tecnologias, democratizando o acesso aos recursos naturais a partir de uma renovação urbana e, aprioristicamente, nos próprios paradigmas da engenharia aplicada. Vejo o pensamento nacional florescendo em torno de tecnologias de vanguarda, ecológicas, sustentáveis, descentralizadas e celulares. É preciso inovar e reinventar, criar possibilidades, conceber a cura dos malefícios e efeitos por nós mesmos criados.
Progresso deve ser medido pela quantidade de rios limpos e livres, pelo volume de ar sadio, pela existência humana simbiótica ao meio em que se vive; pela superação aos desperdícios e violências contra a natureza, que, em última análise, somos nós mesmos. Nós somos a natureza que devemos proteger e nada irá justificar a cumplicidade com a extinção. A Amazônia pede socorro, quem se levantará em sua defesa?
paz para a Terra e seus seres,

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